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Por: Antonio Mata
Se fosse para gravar o nome da embarcação, do navio, de imediato já não saberia. Estava no convés? Convés do quê? Não fazia nenhuma ideia. Vasculhava a mente, rápido como um raio e não achava nada que se parecesse, sequer com uma canoa.
Tanto quanto ao tempo em que se aprende a andar de bicicleta, uma vez aprendido, se pega e anda. E isso é tudo. Bastou sentir o frio, a angustiante sensação de sufocamento, a visão turva pela presença da água e o nervosismo implacável.
Se pôs a nadar imediatamente. Com os pulmões perto de estourar, precisava sair dali. Lutar para voltar à superfície. Lutava pela própria vida, que insistia e se esvair de seu corpo.
Mais perturbador que o fato de estar dentro d’água, é se dar conta de que está apenas se debatendo, sem chegar a lugar nenhum. É aterrador, o quadro que a soma do cansaço e do medo provocam. Debater-se às cegas é algo brutal. Viver agora está sob risco. A morte agora é algo iminente.
Empurrado por uma sede insana de continuar vivo, finalmente pôs a cabeça para fora d’água. O suficiente para delinear, ainda que ao longe, uma faixa de areia.
— Lineu, vai Lineu, você consegue Lineu!
Entre uma braçada e outra, tentava falar, na realidade balbuciava pedaços de palavras consigo mesmo. Fazia um sol magnífico e as águas estavam claras, parecendo de cristal. A praia, uma faixa esbranquiçada aos olhos de Lineu, parecia não querer se aproximar. Olhava e olhava, queria mais daquela faixa.
Pare com isso e avance com força. Insista, insista! Pensava Lineu, buscando entusiasmar-se com a ideia de fugir ao perigo e da morte, apenas chegando naquela praia.
Mais uma vez, de relance voltou a pensar. Queria saber onde foi o começo daquela situação. Foi por conta de um passeio, um encontro, uma visitação?
Além da faixa de areia e da linha verde ao fundo, não conseguia perceber mais nada. Muito menos, dava para notar a presença de pessoas. Alguém que pudesse aguardá-lo. Talvez até mesmo ajudá-lo a chegar.
A praia, ainda ao longe, parecia deserta. Parecia sozinho, enfiado naquela agonia. Quanto mais procurava parecer lúcido e racional, menos respostas encontrava. Ainda que buscar, não fosse fácil.
Esticou o pescoço o mais que pôde. Queria ver acima das ondas. O mar não estava agitado, era sua configuração normal. Um vento fresco e suave soprava, vindo da sua direita. Era o suficiente para fazer aquela marola.
Ao virar o tronco para mais uma braçada, pôde vislumbrar o céu. Estava igualmente azul-claro e convidativo. Não fosse pelo seu próprio e infindável desespero, aquele cenário estaria merecendo um domingão daqueles.
Se acomodava com os pensamentos em mente, meio que satisfeito pela sua própria bravura e determinação. Afinal, se havia algo a se fazer, já estava sendo feito. Já aceitava que era tudo uma questão de tempo.
Abusou do pensamento, do domingão e da confiança. É que ora era câimbra, ora era cansaço, ora era os dois. O demônio da falta de fôlego estava querendo mexer em tudo. Buscou se acalmar. Parou, esticou braços e pernas e deixou o corpo simplesmente flutuar. Relaxou tanto que dormiu.
— Acorda, acorda seu burro! É uma ilha, é continente? Você não sabe! É você que não sabe! — As palavras de Lineu percorreram sua coluna cervical, como choque elétrico. Virou-se e encarou o horizonte. Girou, girou e girou.
— Cadê, cadê, foi para onde? Cadê, foi parar aonde?
Entre o choro e a alucinação, constatou o óbvio. Já não havia mais praia, não até o horizonte. Não podia vê-la, nem sabia para que lado ficava. A ausência de localização chegara para compor o pobre cenário já cheio de angústias. Lineu estava dentro d’água, sem nenhum tipo de equipamento, sem saber o que acontecera e simplesmente perdido. A hora do desespero.
Começou a chorar compulsivamente, prevendo o momento final, quando seria engolido pelas águas. É o fim.
Estava na penumbra, enrolado em um lençol. Havia puxado a colcha da cama e já havia arrastado meio colchão para cima de si, deitado no chão ao lado da cama.
Levantou a cabeça e mais feliz que criança quando ganha chocolate, se deu conta de que ainda estava dentro do quarto. Se pôs de pé e pode ver o mar através da varanda do hotel.
Já podia rir, enquanto avançava na direção da varanda. O sol já se preparava para se pôr. Lembrou que havia almoçado tarde e subiu, não na intenção de dormir. Só queria ficar apreciando o mar, logo ali, bastando atravessar a rua.
De pé na varanda, encarando a paisagem azulada, agora mais escura, sentiu aquela impressão novamente. Tomou um susto e se afastou de costas, virou-se e incomodado, retornou ao quarto, fechando as cortinas.
Continuava sem entender nada. Foi cuidar de outras coisas. Telefonar para a família e amigos. Escreveu um pouco e depois retornou à cama e foi dormir.
— Lineu, Lineu, não precisa se levantar, apenas me ouça.
— Lhe ouvir, como, quem é você? Como entrou aqui?
— Fique em paz, sou apenas um amigo. Só quero te esclarecer uma coisa. É só isso, até porque, o resto quem terá de fazer, será você mesmo.
— O que você quer esclarecer?
— Muito simples, apenas preste atenção. Você possui uma capacidade para se deslocar para fora do corpo, tão comum quanto normal. Só que você não sabe disso.
Lineu observava, sem compreender grande coisa. O visitante, então prosseguiu.
— Entretanto, veja que você já intuiu algumas coisas. Como o fato de você se afastar da varanda e fechar as cortinas. É isso mesmo. Fui eu que lhe pedi para fazer isso. Não se exponha a grandes formações de água. Podem ser rios, lagos ou mares. Enquanto não souber controlar suas próprias reações, procure se afastar. A menos que queira outro susto. Você foi atraído. No mais, conheça, trabalhe, estude sobre mediunidade. Procure ajuda, já existe muita coisa escrita e muita gente em condições de estender essa nossa conversa. Se eduque, educando sua mediunidade. Com o tempo, tudo vai ficar mais às claras.
Silenciou, como quem avisa que a visita havia acabado.
— Agora volte a dormir e mantenha a calma. Quando acordar, o principal de nossa conversa você irá se lembrar facilmente. Qualquer coisa, basta orar e chamar.
Acordou com todo aquele desespero tendo sido de alguma forma afugentado. Ajeitou-se na cama e se pôs a pensar sobre tudo o que havia acontecido. Tudo parecendo tão verdadeiro e tão sutil.
Aquele universo mental, parecia deixar de ser algo assustador. Uma calma suave começava a envolvê-lo. Dessa vez, sem desesperos, sem monstros atrás das cortinas, ou rios e mares para afogá-lo. Agora estava tudo bem.