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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Águas claras

Por: Antonio Mata

Movido pela curiosidade, dirigiu-se até a beira do rio. O que viu, seria de imediato, no mínimo diferente. Aquela água, como teria conseguido ficar daquele jeito?

Cadê o caldo barrento? Por que não está preta, verde ou amarela? 

— Bobagem.

— O quê?

— Isso que você está pensando, bobagem. Preste atenção no resto. — O ancião, de chapéu e as vestes simples dos interioranos, dava a entender que aquilo era óbvio demais.

— E a água desse jeito?

— Já ouviu falar no rio Bonito? Mesma coisa. Agora, preste atenção no resto. Para o seu queixo cair de verdade.

O homem lhe dizia isso de um jeito jocoso que o fez sentir-se meio patético.

Convenceu-se e passou a observar com atenção as águas, absolutamente transparentes. O velho tinha toda razão, pois o que avistou, superava suas melhores expectativas, se é que havia estipulado alguma naquela viagem que já se fazia especial.

Botos, pirararas, piraíbas, peixes-boi, cardumes de acarás e sardinhas circulavam placidamente, como se desconhecerem a presença de predadores.

Cardumes imensos de neons cruzavam sua visada, a ponto de oferecerem seu colorido metálico às águas. Ora prateadas, ora azuis, ou esverdeadas, avermelhadas.

As águas assumiam faixas coloridas como que por encanto. No entanto, apenas viviam e cresciam ali naquele canal. Sem predadores, interessados em sua pouca carne ou pescadores. Interessados em vender seu colorido radiante.  

 

— Você precisava vê-los brilhando no pôr do sol. As cores ficam mais intensas ainda. 

Estupefato, mal sabia o que dizer. 

— Cê tá brincando...

— Não tô não. Tudo isso acontece aqui nesse rio. Todo dia tem uma história, para se contar, um colorido diferente para se mostrar e misturar. E tudo isso é vida. 

— Eu devo estar sonhando. 

— Diria que sim, mas, para dizer a verdade, também diria que não. 

— E se surgissem jacarés, eles comem os peixes?

— Eles gostam de ficar em bandos. Caso apareçam por aqui eles vão ficar como você está, só assistindo tudo. Aqui não existem mais animais carnívoros. 

A movimentação dentro do rio se dava de forma tão pacífica e sossegada que sequer permitia turvar suas águas. 

Viagem onírica, somente um sonho explicaria tanta beleza, das margens, aos animais em meio às águas cristalinas. 

— Pois muito bem, meu amigo viajante. Só para você não ter de partir sem ter respostas. Aqui não temos os imensos depósitos de argila sendo trazido dos Andes. Então as águas não ficam barrentas. Nem se possui a decomposição intensa das folhas e todo tipo de vegetação nas águas. Assim a água não escurece. Nem a ação das rochas, por isso não ficam verdes.

O visitante apenas ouvia. 

— Outra coisa...

— O quê?

— Está na hora de ir embora. — De forma simpática e hospitaleira, o caboclo ancião avisava que o seu tempo de permanência havia terminado. 

— Será que eu não poderia ficar por aqui?

— Ainda não, ainda precisa trabalhar pelos demais. Lembrar do próximo. Nos postos de socorro há muito o que fazer. Você será bem mais útil em um deles. 

Dito isto, as imagens em sua mente foram se apagando até desaparecer. Havia voltado para casa. 

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