Foto: Ammonitefoto por Getty Images
Por: Antonio Mata.
Já não pisava na terra de quarenta anos antes. Nem plantava na mesma terra, nem no mesmo lugar. Percorria as cercanias observando ao redor.
Caminhava sempre sobre terreno novo, carregando a enxada, esta sim, de muitos anos no preparo da terra, para receber os poucos hectares de lavoura.
De costume é mandioca, milho e feijão. Olhava logo atrás, na direção de algumas árvores, que fizeram a diversão dos tempos de criança. Já não havia nenhuma.
Nem mais aquela grande, onde seu pai colocara uma corda, de onde se podia saltar dentro d’água. A molecada organizava torneios para ver quem saltava mais longe. Bastava aprender a saltar, e não custava muito, estavam todos saltando no mesmo lugar. Era o suficiente para a brincadeira terminar sempre sem um vencedor.
Assistiu ao crescimento de outras matas, surgidas naturalmente, pois a madeira macia ainda não chamava a tenção como ocorre hoje em dia. Mesmo somando o mandiocal e o milharal, o roçado não tinha como competir com elas.
Certa feita um estudante lhe mostrou fotografias aéreas da região e lhe ofereceu relações de comparação e medida. Então pôde deduzir que havia ficado a 960 metros do local onde brincava com as demais crianças em outros tempos.
Tudo se movia lentamente debaixo de seus pés. A chegada de seu avô àquele lugar se dera 3600 metros atrás. Tudo mudou desde sua chegada.
Pela própria dinâmica daquele lugar, a palafita que um dia foi moradia de seus avós e de seu pai , já se foi a milhares de metros no caminho que os demais percorreriam também, assim como a casa onde nasceu.
As palafitas são assim, simples desse jeito, pois terão que receber água de tempos em tempos. E às vezes muita água; quando o rio sobe até demais. Pode acontecer de se perder tudo.
Por isso viu e apreciou o trato de sua mãe que enfeitou com plantas e flores coloridas. Assim, se fosse preciso, era só guardar as mudas e então recomeçar seu jardim mais uma vez. Os pés de cuieira servem para isso também.
Fazer um jardim suspenso em cuias que ela cortava em diversas formas e combinações; além dos canteiros em terra, enquanto o rio deixasse.
Antunes virou-se para o outro lado. Se ocorresse esta mesma lógica, agora estaria de frente para o que viria; diante do futuro. Seus netos que naquele momento corriam pelo quintal de casa; no espaço de 450 a 500 metros seriam homens feitos.
As novas moradias cumpririam o mesmo papel, mercê apenas do capricho de cada família em fazê-las arejadas e bonitas. Os roçados se multiplicariam com o aumento da família, e alimentariam a todos. O peixe, as castanhas, frutas, verduras e ervas fariam o resto.
Neste cenário de aparente repetição, só teve uma coisa que pareceu mudar a lógica da terra. E com ela a vida da família.
Já se passavam vários anos que o movimento das terras não se dava por igual. Havia se aproximado de uma curva. Poderia ter seguido adiante, ou ainda ter se desmanchado, o que equivaleria a um verdadeiro despejo, só que no meio do rio.
Foi ficando claro que não seria assim. Quando a curva da direita para a esquerda se acentuou, o lado esquerdo, ano após ano, foi perdendo a velocidade de suas águas. Em um certo momento, seu filho já estava seguindo para a floresta com água até o joelho.
O que o velho Antunes tinha diante dos olhos já era um caminho seco, boa parte do ano. O acúmulo de sedimentos começou a bloquear o lado esquerdo, impedindo a passagem do rio, de tão preguiçoso que ele ficou. A vegetação rasteira fez o resto.
Quanto tempo a ilha desceu o rio? Pensava Antunes e ele mesmo não tinha resposta. E falou consigo mesmo.
— O que sei, porque eu vi, é que resolveu parar e atracar. Lançou uma ponte rumo à floresta e agora não é mais uma ilha.
A terra de sua família encontrou um ancoradouro, um porto.