Imagem: Wall Paper Flare
Por: Antonio Mata
Contam os mais antigos a respeito de certo povo, lá pelo final do século XIX, ainda submetido ao trabalho servil. Naquelas terras, durante a colheita, o trabalho era intenso e penoso.
Era preciso estabelecer provisões para o inverno, este sempre rigoroso, além de estocar a maior quantidade possível de excedentes comercializáveis. A agricultura era a principal atividade da região.
Um grupo de trabalhadores, a serviço de seu terratenente, todos os anos se via obrigado a transportar pesados fardos do local de colheita até os silos onde seriam estocados.
De fato, eram cestos cheios de grãos. Cestos de diversos tamanhos, pois havia homens, mulheres e crianças mobilizados para o transporte, ante uma falta crônica de animais de carga. O senhor daquelas terras, exigente com os seus servos, não admitia desperdícios nem atrasos. Assim, todos tinham que trabalhar.
Um homem carregava seu fardo sob o sol, pela estrada de terra, vários quilômetros além. Entregava o cesto no local de estocagem. O cesto era esvaziado no silo. Então, o homem precisava retornar, encher novamente o cesto e fazer nova viagem até o silo de seu senhor.
Na medida que a colheita prosseguia, a distância entre o silo e o local de colheita se tornava cada vez maior. Foi quando o homem tomou uma decisão. Ao receber nova carga falou:
— Este cesto é pesado demais. Me dê um cesto menor. — Tendo recebido um cesto que receberia menos grãos, o homem se foi.
Realizou todo o trajeto até o silo. Lá chegando, ia esvaziar seu cesto quando o fiscal de estoque o alertou.
— Este cesto é menor. Terá de fazer mais uma viagem para compensar a menor quantidade. São ordens do senhor.
Irritado, recebeu o cesto pequeno e retornou à colheita. Lá chegando, tornou a falar com o homem que preenchia os cestos.
— Este cesto não me serve, preciso de outro que seja maior, caso contrário terei de fazer mais viagens. Me dê aquele que está ali. Recebeu, então, um cesto maior. Porém, o cesto era velho e estava furado, sem que o homem percebesse o defeito. Aborrecido, pegou o cesto e se foi.
Já de volta, homem avançou penosamente pela estrada, mas ao chegar no silo para descarregar, foi alertado pelo fiscal.
— Não vê que seu cesto está furado? Por isso perdeu parte dos grãos pelo caminho. Não vou registrar um cesto cheio para você. Assim você já possui dois registros abaixo da sua cota.
Desolado, retornou pela estrada de cabeça baixa e se sentindo o mais abandonado de todos os trabalhadores daquelas terras. Maldizia o terratenente, o fiscal do silo e o homem que lhe deu um cesto furado.
Chegando ao local, irritado, se dirigiu ao homem com os cestos.
— Você me deu um cesto furado e agora terei de fazer mais uma viagem para repor os grãos perdidos.
— Não fui eu que lhe dei, foi você que escolheu. Cada um tem liberdade de escolher o seu cesto. Eu apenas lhe entrego para poder receber os grãos. Mas a escolha é sua.
Olhando para os cestos amontoados em um cantou falou:
— Me dê aquele último, é novo e é o maior de todos.
Satisfeito em seu pedido, saiu e foi enchê-lo com grãos. De volta à estrada, não demorou muito e pôde sentir todo o peso de sua decisão. O cesto grande e muito pesado de grãos dificultavam sua marcha pelo caminho.
Chegou ao destino fatigado e atrasado. O fiscal vendo aquilo falou-lhe:
— Ao querer trazer um peso muito maior, acabou se atrasando e levou o dobro do tempo na viagem. Assim, você se cansou mais e ainda que tenha completado o que devia, você está exausto. Sendo que o dia ainda não terminou.
Mais uma vez acabrunhado com o resultado de suas iniciativas, retornou e pediu mais uma vez por outro cesto. Um cesto tinha sido posto de lado e ninguém o havia escolhido o dia todo.
— Se ninguém quer este cesto, me dê. Vou ficar com ele e me enterrar de vez, de tanto carregar cestos nesta estrada.
De volta, já com o novo cesto às costas, intimamente soluçava, sentindo-se um desgraçado, um infeliz abandonado por Deus sobre a terra. Alguém desprovido de valor ou serventia.
Ao chegar ao silo, o fiscal o recebeu. Verificou o cesto que trazia e mandou despejar os grãos. Ia falar com o carregador quando foi por ele mesmo interpelado.
— Você pode falar fiscal, já sei que vai fazer alguma reclamação.
— Não é nada disso. Não é nenhuma reclamação. Na verdade, ia lhe dizer que a despeito da carga, você não está tão exausto quanto antes e não deve nada ao senhor. A carga está adequada.
Ao retornar ao local de colheita, aproximou-se do homem com os cestos e falou-lhe:
— Aqui está o cesto mais adequado. Não é pequeno demais, nem é grande demais e também não está furado. É este o cesto que você deveria ter me entregue desde o início.
O homem dos cestos olhou atentamente para o objeto em suas mãos, dizendo.
— Volto a repetir, quem escolhe o cesto é você, não sou eu. Além disso, se prestar bem atenção, verá que este é o seu próprio cesto. Aquele que estava em suas mãos no início do dia. Quem quis trocar foi você. Ainda bem que ele ficou aí do lado. Acho que estava esperando por você mesmo.
Ao longo da vida buscamos um monte de coisas que acabam sendo deixadas para trás, pois não atendiam nem traziam a satisfação que buscávamos. Mais atenção à própria capacidade e respeito ao próprio talento, podem significar uma trajetória mais tranquila até a meta desejada.
O mesmo se dá com a Cruz de cada um. Deixada de lado em favor de outros interesses, terminou esquecida. Sem se perceber que o caminho acabou se tornando mais difícil. Agora, até o fator tempo, fundamental para qualquer mudança, já é escasso. A civilização corrompida e doentia, finalmente se despede.