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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

A escuridão e a luz

                                                   

                                                                        Foto: Filipe-resminil-unsplash

Por: Antonio Mata 

Tinha acabado de ouvir uma piada e por isso ria muito. Despediu-se dos demais.

— Eu não te falei que os caras são legais, não te disse?— Insistia junto ao amigo, para que se motivasse, e entendesse que estava perdendo seu tempo. Mais que isso, estava perdendo dinheiro.

O amigo o ouvia, e até achava graça. Aos poucos estava aceitando aquela história. Afinal, aos quinze anos, não dá para ficar posando de Migué o tempo todo. Daqui a pouco se chega aos dezoito, e todo mundo cuidando da vida, todo mundo ganhando dinheiro, menos ele.

Despediram-se e cada um foi para o seu lado. Faltavam dez minutos para as nove horas da noite. A escuridão e a noite, sem luar e sem estrelas. Aquela que nunca quis, com a qual nem sonhou. Não iria demorar, logo seria a sua última.

Mais duas quadras e estaria em casa. Dizia certas coisas ao amigo Neilson, só que era meio que da boca para fora. Na realidade estava buscando sair de uma roubada, por conta de uma venda de papelotes, onde acabou gastando o dinheiro arrecadado, e não conseguira repor a tempo. O problema é que o prazo já tinha estourado, e continuava sem o dinheiro. Foi conversar com o Julião para lhe arranjar mais alguns dias.

Até que saiu satisfeito. Julião tinha inclusive contado uma piada. Ia resolver aquilo o mais rápido possível, até porque era só 400 reais. Não custava muito e arranjaria o dinheiro. Só tinha levado azar, pensava. De resto, ainda estava intranquilo.

Nisso, um veículo para do seu lado.

— Jander, apareceu um serviço bom de se fazer, entra aí.

Conhecia aqueles caras, eram todos do mesmo bando. Tudo gente do Julião.

— Essa hora? Olha, eu já acertei com o Julião, essa semana eu  vou quitar tudo.

— Fica frio Jander. Não foi isso que falei. Te chamei porque tem um serviço e você precisa vir com a gente. Você vai entender. Entra aí.

Meio desconfiado, mas também sem saída, Jander entrou no carro.

Rodaram pela cidade cuidando de arrecadar dinheiro, repassar para onde fosse preciso. Estavam conduzindo o negócio. Lá pela meia noite começaram a se afastar da cidade, e a tomar caminhos ermos no meio da noite.

Adentram uma pista sem asfalto e depois de algum tempo chegam a um barraco no meio de lugar nenhum.

Jander não viu, porém, espíritos sinistros, de aspecto cadavérico  tomavam conta do local.

— A encomenda chegou.— Disse um daqueles cadáveres, em tom de deboche.

— Desce Jander, vem com a gente que a reunião já vai começar. O homem ao lado do motorista chamava a todos para adentrarem o barraco.

Entraram no casebre, onde só havia luz de velas. Arranjaram uma cadeira, onde Jander foi sentado e em seguida o amarraram e amordaçaram.

Cerca de uma hora após, foi retirado de lá e conduzido a um local próximo, onde foi colocado de joelhos com os cotovelos apoiados em uma tora de madeira.

Com os pés, mantiveram a mão direita de Jander presa sobre a tora.

— Isso garoto, é pra você aprender a pagar o que deve e não se meter com quem não deve.

Jander teve a mão direita decepada com um machado. Em  seguida deceparam a mão esquerda. Posto deitado no chão, deceparam seus dois pés, a golpes de machado. Seu corpo ensanguentado foi empurrado para uma cova, onde atiraram os pedaços cortados. Jander foi enterrado vivo.

 

Vagava pesada e dolorosamente por sobre a terra segurando os intestinos expostos à busca de socorro. Buscava escapar das mãos de seus captores, escondendo-se na escuridão, atrás das árvores e pelo meio do mato. Temia que completassem o serviço.

Luciano, usuário de drogas, aos dezesseis anos meteu-se com um grupo de traficantes, onde acumulou dívida. Após ter sido submetido a uma seção de estupro coletivo, teve a barriga aberta de uma extremidade a outra, e abandonado no meio da mata para morrer.

 

Envolveu-se com um traficante, que pretendia explorá-la oferecendo cocaína. Depois de um ano de prostituição, fugiu tomando destino ignorado. Foi encontrada em poucos dias por seus exploradores. Pela madrugada, conduzida a um varadouro, foi bandada ao meio, da bacia à cabeça, e deixada tal e qual uma carcaça de animal.

Vagava pelo varadouro, andando em círculos, enquanto com as mãos pequenas, tentava juntar as duas partes de seu corpo, acreditando assim, poder salvar-se do tratamento vil. Efigênia contava dezesseis anos.

 

Grupos de voluntários circulam pelas periferias urbanas do Brasil. No rosto, não mais que 21 ou 22 anos. Acompanhados de um orientador mais experiente, recolhem espíritos assassinados a bala, ou  submetidos a tratamento cruel, até a morte, pelas mais diversas razões. O pano de fundo destes assassinatos é sempre a drogadição. Na maioria são adolescentes.

O mais comum é que sejam espíritos das diversas falanges devotadas ao Cristo, porém, espíritos encarnados podem participar destes grupos de resgate, durante o sono. São pessoas dos mais diversos matizes religiosos que por pura compaixão, pedem para ingressar nestes grupos.

Quando anoitece, a devassidão se impõe por sobre o mundo. É quando a juventude abandonada por familiares e autoridades, vai engrossar as dezenas de milhares de assassinatos ocorridos no país todos os anos.

Nos grupos de trabalho mediúnico, principalmente nas casas espíritas de periferia, os assassinados do entorno e de diversos outros lugares, se apresentam para contar suas histórias de terror e sofrimento.

Muitos não têm muita ideia do que aconteceu. São levados a sair de sua fixação mental, motivada pela forma como desencarnaram, e são cientificados de que já estão em um lugar seguro. Um hospital mantido por Jesus, o Cristo de Deus. Acalmados e confortados, seguem para o tratamento.

Ainda quando do atendimento inicial, podem assistir a recuperação de seus corpos destruídos. É importante que abandonem a fixação mental provocada pela hora da morte, de forma tão trágica.

Àqueles que já compreendem que deixaram o corpo físico, uns poucos apenas, esclarecimentos adicionais irão confortá-los. Aos demais, lhes é permitido um pouco mais de tempo, até que eles mesmos entendam o que aconteceu, quando então receberão  os esclarecimentos e orientações necessárias.

Concluídos os atendimentos da noite e avaliação das comunicações, o grupo oferece uma oração de agradecimento ao Criador e ao Cristo de Deus, pela possibilidade de, ainda que minimamente, poder servir. Em seguida, se despedem  retornando para os seus lares.

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