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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

A guerra é assim

                                                                                

                                                                                                                             Imagem: Wikimedia Commons

Por: Antonio da Mata

Não se marchava mais. Somente se arrastavam em silêncio. Também não estavam propriamente em formação. Apenas juntos, em extensão e em silêncio prosseguiam.

As distinções de nacionalidade, cultura, interesses políticos, motivações, fossem quais fossem, ali tinham ficado para trás. A farda camuflada, enlameada e fétida era o indicativo comum de homens pálidos e de expressão cadavérica.

Alguns carregavam um braço decepado, mão, pé ou cabeça. Reminiscência do corpo que existiu um dia. Havia ainda quem se equilibrasse sobre os cotos. A última imagem fixada em suas mentes, logo após a explosão.

Fez lembrar Erich Maria Remarque, que pôs suas lembranças em livro, pois não conseguia esquecer o que viu. O mesmo assombro, as mesmas expressões alienadas. Foi taxado de covarde.

Alguém à guisa de comandante da tropa de maltrapilhos e deprimidos, se aproxima. Tenta explicar.

— Havia uma guerra. Lá havia uma guerra. Ninguém sabe ao certo o que foi que aconteceu. Só disseram para caminhar e avançar. Estamos caminhando há muitos dias. Não sei dizer o que houve, nem onde estamos.

Parou de falar, com ar cansado, e então retomou.

— É só o que nos vem à mente agora. É só do que se lembra..., e oramos assim:

” Ave Maria cheia de Graça. Bendita sois Vós entre as mulheres. Bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus...”

Estes a rezar são homens. Foram enfiados em uma guerra ao tempo em que estavam em sua vida física. Contudo, répteis caminhando sobre duas patas, a exemplo do que aconteceu e acontece na Síria, Afeganistão, Iraque, e em tantas outras terras antes destas, se comprazem com a destruição.

São seres que buscam sua dose macabra do seu elixir da vida, o seu prazer, satisfação e bem-estar. O ectoplasma liberado repentinamente por aqueles que pereceram, deixando a vida física. Buscam os corpos recém abandonados, quando não destruídos.

As poças de sangue recente, cheios desse elixir que só à maldade importa. São os verdadeiros demônios, vampiros, usurpadores das energias alheias, mesmo de desencarnados, transformados em trapos inúteis.

Um prédio residencial atingido por uma bomba, uma escola bombardeada e eles correm para lá. Se aboletam por sobre os escombros no centro da destruição. Querem saborear sua cota de sangue e dor dos outros. Preferem os corpos das crianças e jovens repletos de energia.

Criadores de uma espécie de lixo não material. Espíritos de gente, sugados e abusados até serem transformados e abandonados como lixo. Isto é a guerra.

O Brasil coalhado de hospitais. Em áreas de conflito, ainda que seja urgente a manutenção de hospitais espirituais, sua permanência é difícil. Então são transferidos para outras plagas. Muitos se estabelecem no Brasil. Soldados dos muitos conflitos do mundo têm sido historicamente tratados aqui.

Enquanto o desequilíbrio e as perturbações aumentam, recebe mais hospitais e mais equipes que já não podem operar nas regiões em conflito.

Além disso, povos de diversas partes, desacreditados do mundo, chegam em terras brasileiras e o acesso se dá pelos hospitais que então se tornam casas de triagem e acolhimento.

Vinham prioritariamente da Europa guerreira, dos conquistadores e colonizadores. Aqueles mesmos que se diziam divulgadores da moderna civilização. Uma forma melhor de se viver.

Cabisbaixos e de rostos abatidos, pareciam discordar da imagem de desbravadores intrépidos. Talvez por desistirem e se terem rendido à realidade que ajudaram a criar.

Com o tempo, passaram a vir de outras partes do mundo, igualmente cansados e desiludidos. Desilusão, este é o nome do retrato de todas as faces. Trazem apenas desilusão, para hospitais superlotados, enquanto novas instalações são rapidamente criadas. Tal é o Brasil que apenas socorre e acolhe.

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