Por: Antonio Mata
Pediu para ir logo sem dizer do que se tratava. Tinha certa pressa em mostrar algo. Só não quis dizer o que era. Conhecendo Olívio, desde os tempos de garoto, arrisquei que poderia muito bem ser um novo brinquedo, ou qualquer coisa do tipo.
Nos fundos da casa, havia um descampado onde pude encontrá-lo dando os últimos cuidados à sua pequena engenhoca. Motivo de sua grande satisfação.
Tudo preparado, Olívio acionou seu drone. Compacto, esquisito, acabado de sair da caixa. Fez algumas manobras preliminares para sentir os controles e “adquirir mais confiança no bicho”, dizia. Contou ter feito algum treinamento antes de comprá-lo. Assim, daria tudo certo.
A partir de um joystick, fez o aparelho adquirir velocidade e subir. Até em torno de uns trinta metros. Passou a fazer um movimento em círculo, em um raio de pouco mais de cem metros.
Na tela do computador já era possível mostrar o resultado do uso da câmera, em seu voo inaugural. Gravando cenas aéreas “para ver depois”, continuava contando.
O entusiasmo juvenil do amigo fez lembrar do surgimento do videocassete nos lares da cidade. Os felizes proprietários gravavam jogos de futebol, filmes direto da TV e até capítulos de novela. Tudo isso, só “para ver depois”.
Esse primeiro voo deve ter durado pouco mais de uns quinze minutos. Olívio, ao procurar descer o aparelho, acabou fazendo chocar-se com os galhos de uma árvore. O que provocou a queda do seu brinquedo. Para a alegria do estreante desesperado, o bicho ainda funcionava.
Voltava para casa com outras coisas em mente. Sem esvaziar o entusiasmo do amigo, deixei-o cuidando de trocar as pás de hélice quebradas. Mas a cabeça, já estava em outro lugar.
Colecionava alguns belos relatos de algo, um tanto quanto parecido. Só que mais sutil e singular. Na realidade era fantástico, comum e corriqueiro. Tudo ao mesmo tempo.
Vasculhei na mente alguns casos e lembrei de Isabel.
Estava sentada assistindo à fala de alguém, quando repentinamente sentiu uma sonolência e fechou os olhos. Em movimento leve que já foi motivo de susto, mas que agora tornara-se natural. Deixou a sala subindo até o teto.
Cruzou a laje, cruzou o telhado e subiu, aparentemente, os trinta metros do primeiro voo de Olívio. Ficou lá de cima, como que flutuando, assistindo o movimento e as luzes da cidade.
No início sentia medo de cair, pouco se importando com a cidade ao redor. Da primeira vez, lutou para regressar à segurança do corpo. Voltou esbaforida e assustada.
Agora o faz normalmente, como quem passeia. Foi avisada que se tratava de um treinamento e de que, logo, a natureza do exercício iria mudar.
Maria Paula, nas reuniões mediúnicas, bastava iniciar e logo parecia adormecer. Entretanto, se deslocava para outros locais e em seguida retornava dando ciência das ações que desempenhara e daquilo que pôde ouvir. Estes deslocamentos não se davam na terceira dimensão.
Já Leandro caminhava por ambientes diversos, aparentemente próximos, até o momento em que era convidado a seguir para outra cidade, onde nova equipe de trabalhadores já o estava esperando. Participava das atividades e com a mesma velocidade com que chegou no local, regressava ao ponto de origem.
Ainda nos divertimos com os equipamentos e novidades do nosso mundo, mas sem prestar muita atenção para as sutilezas e possibilidades do espírito. Liberto do corpo, o homem passa a ser instrumento rápido e útil aos dois lados da vida.
Em uma única reunião diversos problemas envolvendo pessoas, casais, familiares, amigos ou inimigos, afastados ou não, pelas dimensões da própria vida, podem ser equacionados. Situações que se arrastavam há décadas, há séculos. São encaminhadas em questão de minutos.
Tal é a vida, tal é a dimensão do espírito.