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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

A partida

            

                             Foto: Wikimedia Commons 

Por: Antonio Mata 

Produzia uma sombra gigantesca a ponto de ocultar o brilho das estrelas. Era possível observar, pelo menos seis filas extensas, regulares, em constante movimento e silenciosas. A nave gigantesca recebia seus novos passageiros.

Leonel, homem feito, que chamava atenção pela compleição física, se desloca ao compasso dos demais. Há muito pouco, ou nada a se dizer. Entre a incerteza e a expectativa silenciosa, a multidão disciplinada avança para o seu futuro, sua sentença, seu embarque.

— Você pode segurar minha mão?

— Claro. — Diz Letícia. E isso é tudo.

Daqui a visão dos que partiam completamente sós é angustiante. Os anos passarão, ensejando a reconstrução, o refazimento da Nova Terra. Como que empurrados por ondas, a tristeza e a solidão, somente superáveis pelo congraçamento e proximidade daqueles que permaneceram, faz-lhes levantar a cabeça e seguir adiante. 

Afinal, em mil anos, já como novos socorristas, estarão a caminho, e a próxima leva, rumo a mundos distantes, terá então, outra conotação. Vão inaugurar cinco mil anos de esforço contínuo no intuito de trazê-los de volta. 

Ainda que todos saibam que apenas um pequeno número conseguirá realmente fazê-lo. São os antigos pais, mães, irmãos, filhos e amigos. Aqueles que se perderam na longa estrada da evolução dos espíritos, deportados que foram em grande número. 

Quantos realmente compreenderão? Só Deus sabe. De todo modo, em cinco mil anos, a Terra será outra. Muito diferente daquela que um dia conheceram.

Vão vivenciar toda a intensa adaptação a novos corpos em outro mundo desconhecido. Corpos distintos, atrasados? Uma espécie de Pitecantropo, ou Neandertal? Quem sabe? Corpos avançados é que não serão. Até que tenham condições de retomar a marcha evolutiva, e a vida cada vez mais desgarrada dos processos instintivos que muito lhes prejudicou na Terra.

Enquanto cuidam de adaptar-se, seus antigos familiares, com todo o apoio possível, reconstroem a Terra, herdeiros que são.

Do alto da escadaria, olha para trás e ainda pode ver os contornos do pequenino planeta azul, ainda que distante. Sentimentos contraditórios se assomam em sua mente. Saber que acabou e que já não há mais argumento, é difícil, tremendamente difícil. Despede-se de Letícia e embarca. É o triste recomeço.

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