Por: Antonio Mata
A temporada das chuvas mais intensas caminhava para o final. Árvores, arbustos, cipós e gramíneas não perderam tempo ante a oportunidade de renovação.
Os arbustos assumiram um tom verde mais claro em suas folhas, novinhas e tenras. Tudo tratou de crescer. Quando a estiagem chegasse e levasse consigo as folhas velhas e secas, acumulando no solo a serrapilheira, as mais novas deveriam ficar para dar continuidade ao ciclo da vida.
Agarrados nos talos e nas folhas macias, grilos, cigarras e besouros se fartavam de tanta comida. Tempo de crescer e procriar. Em um galho mais extenso, se agarraram na ponta, onde encontravam as folhas mais novas e os talos mais macios.
A cigarra e o besouro se empanturravam distraidamente, sem olhar ao redor. Esquecidos que estavam da regra número um, a segurança e a manutenção da vida.
De cabeça baixa, não observaram a chegada de mais alguém. Também interessado em fazer o farnel.
A cigarra, recém saída de sua carapaça, ainda exibia o dorso vermelho e verde, com asas azuis, esverdeadas. Sugava tranquilamente a seiva da planta, seu prato favorito. Pouco abaixo, jovem besouro castanho-claro se fartava mastigando mais uma folha, das muitas daquele dia.
Entre os sons e cantos monótonos dos insetos naquela manhã, de repente ouviram um bem conhecido e repetitivo, que se sobressaía pela pouca distância. Crec, crec, crec.
Despertados de sua comilança, se viraram para ver o que era aquilo. Aquele som vindo de trás.
Pensaram ser um grilo, mas, não era não. Logo acima, agarrado no mesmo talo, um velho gafanhoto castanho e preto lhes encarava, enquanto comia calmamente, pedaço por pedaço, o talo de sustentação das folhas.
Olharam para baixo, onde um jovem tamanduá procurava sua refeição da manhã. Também perto dali um pardal discretamente observava tudo à busca de insetos. Aquela folha cheia de bichinhos, logo chamou sua atenção.
De relance, tinham que tomar uma decisão.
— Gafanhoto, será que você podia parar com isso. Parar de comer desse lado. Se o talo partir, vai chamar a atenção do pardal. Se o talo cair, vai chamar a atenção do tamanduá. — Dizia o besouro.
O gafanhoto, com ar de superioridade, olhando para os demais como se fossem seres desprezíveis, continuou a mastigar e curtamente lhes respondeu.
— E eu com isso?
— Assim vão nos pegar.
— E eu com isso?
— Assim nós vamos morrer!
— E eu com isso?
Prosseguiu e cortou o último pedaço do talo macio. A cigarra, com as asas ainda moles, não pôde voar. Caiu ao chão, sendo rapidamente sugada pelo tamanduá.
O besouro decidiu saltar e sair dali voando rapidamente. Foi só o tempo do pardal saltar mais rápido e pegá-lo em pleno voo. Não havia como escapar.
Ato contínuo, o gafanhoto, cínico, satisfeito e contente com a sua façanha, virou-se para encontrar outro talo e mais folhas suculentas e retomar a comilança.
O que viu foi tão assustador que, de imediato, deixou a cara de cinismo e a satisfação de lado, para rapidamente estudar suas chances de sobrevivência.
O pardal, logo ali perto, aguardava só para saber o próximo resultado daquela muvuca de insetos. Já o tamanduá, imóvel, prestava atenção no que acontecia logo acima. Afinal, poderia render mais bichinhos para comer.
O gafanhoto, paralisado, não tirava os olhos de cima do enorme louva-a-deus, que facilmente poderia devorá-lo a qualquer momento. Então, experimentou balbuciar algumas palavras.
— Será que posso passar? Aqui já se comeu tudo, mas ainda tem muita comida para todos do outro lado.
Encarando o gafanhoto e com ar de desdém, o louva-a-deus respondeu:
— E eu com isso?