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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

A sucuri velha

Por: Antonio Mata

Quando a mata se faz muito quieta, isto não costuma ser um bom sinal. Os pássaros e os pequenos mamíferos preferem prestar atenção ante a presença de predadores.

Até o som das folhas secas caindo das árvores e se juntando a serrapilheira é bem diferente das folhas secas sendo pisadas por uma onça. Que também é diferente do som das formigas-cortadeiras no seu trabalho diário.

Nunca se descuidam do senhor das matas tropicais. Nem de seu primo de manchas muito escuras, que ao longe desaparece pelas sombras da mata. Como se soubesse que pode tapear os mais incautos. Onças e panteras, os maiorais da floresta. São capazes de impor respeito por si só. 

Hora crítica é o momento de se beber água. Quando até mesmo os maiorais precisam se cuidar. 

A pantera, a grande onça-preta, caminhava lentamente na direção do rio, particularmente raso naquela época do ano. Já idosa perdera os caninos superiores e os inferiores. Assim, só conseguia caçar pequenos animais. Contudo, sabia que a atenção e o silêncio são mais que necessários para sua sobrevivência. 

Outro animal, asqueroso e igualmente perigoso, já havia serpenteado pelo leito do rio, se acomodando junto à borda e à trilha dos animais que chegavam para beber água. 

A velha sucuri já não dispunha das forças de outrora. Mas, precisava capturar alguma caça. Se é que realmente desejava prosseguir vivendo e caçando. Já havia ultrapassado há muito, os dez anos habituais de vida. Seu tempo em ambiente natural.

Enrolou-se em um pedaço de tronco oculto pelas águas e se preparou para capturar mais um animal incauto. Esperava por um bicho menor. Mas, quem apareceu foi a pantera. 

A sensatez lhe dizia para não importunar um animal tão altivo e perigoso. Porém, o olho grande foi maior e mais decidido. Quando a pantera se abaixou para beber água, não resistiu e com um bote cheio de vigor, arremessou-se no ar.

A pantera tomou um susto pavoroso e tentava se livrar do bote. A sucuri buscou enrolar-se no pescoço do grande felino desprevenido e arrastá-lo para dentro do rio. 

Pelo menos este era o plano. Mas, já se passavam os anos da hábil, mortal e infalível sucuri. Seu salto foi desajeitado. Ainda assim, buscou se enrolar no pescoço do felino e aplicar-lhe poderoso golpe até o estrangular. O que foi um ledo engano. 

A pantera, após o susto inicial, buscava se esquivar do ataque. Ela que também tinha os olhos tomados de catarata e havia perdido os caninos superiores e inferiores. Contudo, não estava disposta a perecer sem lutar. O embate prometia ser muito feroz. 

Desvencilhou-se do laço da sucuri, partindo para o ataque. Agarrou a cabeça da sucuri na intenção de cravar-lhe os quatro caninos. Porém, era impossível e também já não conseguia impor a força necessária para arrebentar os ossos do crânio. 

Os dois caçadores se atrelaram febrilmente diversas vezes, mas sem resultado. Já esgotados, decidiram então parar. 

— Pantera já chega, estou esgotado com essa luta. Largue a minha cabeça. Já estou quase morto!

— Está bem, desde que você largue de vez o meu pescoço. — De fato, já não tinha mais forças para atacar a serpente e sua mordida se tornava cada vez menos eficiente.

Assim, se separaram, decidindo não oferecer novos ataques e nada de emboscadas entre os dois, dali em diante. Dessa forma terminariam seus dias em paz. Contudo, a pantera continuava com sede e a sucuri velha continuava com fome.

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