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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

A tartaruga e a onça

Por: Antonio Mata 

Da água que todos querem e precisam, aparece um cenário de dificuldades para muitos. Aí então, é preciso aprender a tomar água, porém sem perder a atenção pelo que se passa ao redor.
 
Um som diferente dos outros, nem por isso desconhecido, se faz ouvir. Na beira do rio todos tratam de sumir dali, como que por encanto. É isso mesmo, está na hora dela chegar.
 
Se porventura não for suficiente, é só prestar atenção no cheiro de sangue fresco. Ou até mesmo, podre no ar. Sinal de que andou comendo alguma coisa.
 
Nem por isso, a natureza deixa de ter os seus desavisados. Os esquecidinhos do tipo de vida que se leva na floresta. Tanto pode ser pela ingenuidade de um filhote, que ainda não pode aprender. Mas, também da parte de alguém mais confiado na sorte do que na experiência. É quando a zombaria pode cobrar o seu preço.
 
Não precisa de muito barulho. O rugido típico, produzido na garganta da onça, é o suficiente para abrir caminho ao seu caminhar cadenciado, e, este sim, muito silencioso. Quando houver necessidade, saberá deter o rugido também.
 
Se aproxima com a confiança de que a força, a destreza e o alerta de seus sentidos, são respeitados até debaixo d’água. Pois, nadadora hábil, sabe que é páreo duro, mesmo dentro do rio.
Mesmo os jacarés tomando sol no areal, já saíram dali.
 
Na cadeia alimentar, na hierarquia dos carnívoros, não estão na sua frente. Nada como ir para outro lugar e evitar tais encontros.
Antas, capivaras, pacas e mesmo a perigosa queixada, não se atrevem e já trataram de se afastar.
 
Somente a ariranha é capaz de lhe impor respeito, desde que dentro d’água.
 
Pela manhã, já de barriga cheia, sua preocupação era só em tomar água, o que fazia tranquilamente.
O olfato é aguçado entre os animais.
 
Uma tartaruga que caminhava pela beira do rio, não se importou com o perigo e buscou se aproximar, atraída pelo cheiro de sangue, ainda fresco.
 
— Aqui tem coisa boa. O que você andou comendo?
 
— Perguntou.
 
— Não é da sua conta. Saia daqui enquanto pode. — Vociferou a onça, com ar de poucos amigos.
 
— Espera aí, não seja tão egoísta. Não custa nada dizer onde foi que você achou carne de paca, de porco-do-mato ou até de mucura. Não estou em condições de escolher — E se aproximava procurando lamber os lábios e o queixo da onça, ainda sujos de sangue, não se sabia do quê.
 
— Dê o fora daqui! — Com um gesto rude, empurrou a pequena e intrujona tartaruga para o lado. Em seguida retornou a beber água calmamente.
 
A tartaruga não se assustou com o safanão recebido. A despeito de ter rolado, o que poderia significar ser posta de cabeça para baixo e morta.
 
Em seguida. Se ajeitou e retornou a sua empreitada em busca de carne e sangue fresco. Tornou a se aproximar da onça, que estava cada vez mais irritada.
 
— Sei que você é grande caçadora. Também sei que come as partes melhores e larga muita carne nos ossos para se estragar. Raciocina comigo. Ao invés de deixar no mato, não poderia me dar só um pouco?
 
A onça agarrou-lhe com os dentes e arremessou a tartaruga no ar. Isto fez com que o casco da tartaruga voasse como um prato prestes a ser baleado em um torneio de tiro.
 
— Vá conversar com os urubus, comedores de carniça. Então, peça deles, só um pouquinho.
 
Tudo em vão, mais uma vez é rechaçada, naquela conversa que não deu em nada. Realiza uma quarta tentativa.
 
Onde tudo se repete, sendo dessa vez atirada mais longe. A paciência da onça parecia ter se dissipado de vez.
 
Olhou ao redor e notou que a tartaruga havia desaparecido.
 
— Até que enfim. Aquele bicho de casco já estava me tirando do sério. Olhe que fui paciente até demais. Nem quebrei o seu casco.
 
Com o avançar das horas a calmaria retornou na beira do rio. Pouco antes do pôr do sol e a mata escurecer por completo, a onça tornou a aparecer no mesmo local para saciar a sede.
 
Olhou para um lado, olhou para o outro. Como de costume, nada nem ninguém para lhe perturbar. Se aproximou e foi tomar água. Foi quando, de repente, ouviu uma vozinha que já lhe era por demais desagradável.
 
— Olha só, contei para os demais, de como você era capaz de conseguir caça. Falei de suas proezas e de como sobra muita carne e eles adoraram. Quiseram vir aqui só para conferir. — A tartaruga havia retornado e com um sorriso irônico, atestando toda a sua falta de senso de sobrevivência.
 
— Você fez o quê, bicho de casco? Perdeu o gosto pela vida?
 
— Nada disso, olha só daquele lado. Agora não estou sem companhia! — Falava com aquele sorriso irônico no rosto.
 
Logo adiante, três dúzias de tartarugas se arrastavam, atrás da história de uma certa onça que gostava de oferecer carne fresca para os animais da floresta.
 
— Mas não se aborreça, grande caçadora. Ainda podemos fazer um acordo. Basta compartilhar um pouco de carne conosco.
 
— Então vocês querem carne e eu devo com
partilhar?
 
— Parabéns, você agora finalmente entendeu! Compartilhar para não se importunar. Faz ideia do que três dúzias de tartarugas seriam capazes de fazer?
 
A onça, aguardou um minuto e sorrateiramente respondeu.
 
— Começo a gostar disso. Aliás, você faz ideia do que uma onça pode fazer com três dúzias de tartarugas?
 
O sorriso irônico desapareceu do rosto da tartaruga. Mas, não antes de enxergar aquele bicho pintado e com a boca cheia de dentes saltar sobre o grupo de tartarugas, que inutilmente tentava escapar daquele campo de matança.
 
Eram atiradas no alto com cabeças, patas e caudas arrancadas. Tudo antes que pudessem dar a volta para fugir do lugar.
 
Até que finalmente cravou os dentes na tartaruga debochada. A verdadeira responsável por todo aquele encontro desastroso.
 
Cuidado com aqueles que você não conhece. 

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