Foto: Rudy and Peter Skitterians. Por Pixabay
Por: Antonio Mata
Embarcou rapidamente no primeiro ônibus do dia. Acomodou-se junto da janela fechada por conta do frio da manhã. No veículo ainda não havia meia dúzia de almas. Enquanto o ônibus fazia seu itinerário, ia prestando atenção no alto dos edifícios e do casario.
Eventualmente o veículo parava para embarcar grupos de pessoas, e pela porta aberta dava para ver, ao fundo, alguns estabelecimentos comerciais já se abrindo.
Manhã de céu nublado prometendo chuva para mais tarde, no meio daquele dia; só para espantar a clientela. Só que isto não o interessava, pensava mesmo, e isto sim o preocupava, em um amigo que a pouco tempo atrás, viu seguir neste mesmo ônibus.
Notou que ele tinha uma fisionomia preocupada no rosto, como quem pensa que algo poderia dar errado.
O chato é que nunca mais o viu novamente. Na realidade não esperava encontrá-lo outra vez, apenas fazia o que tinha de se fazer, afinal tinha de ir para o mesmo lugar.
Por isso estava se deslocando cedo, assim não precisava se preocupar com mais nada e sendo desse modo, não havia razão para ficar como seu amigo. Então sossegou e conformou-se com esta ideia que agora o acalentava, pelo menos um pouco.
O ônibus agora se apresentava cheio de passageiros. Se ajeitou no canto junto à janela. Sem nenhum exagero se poderia até dizer que estava praticamente debaixo do banco, tamanha a sua preocupação em não chamar a atenção.
Se fosse o comportamento de um homem; seria aquele tipo de sujeito que usa aqueles abrigos de moletom preto com o capuz escondendo a cabeça e o rosto. A representação icônica de alguém que só anda pelos cantos.
O veículo finalmente chega ao seu destino. Aguarda que todos desçam, na sua filosofia de passar despercebido pelo maior tempo possível. Mesmo assim ficou cismado com o olhar acusador do motorista do ônibus na sua direção.
Já tinha visto aquele olhar antes em outras situações, da parte daqueles que gostam de dar as ordens e que por isso se metem onde não são chamados.
A estratégia salvadora é fazer de conta de que não está vendo nada e pular para fora dali rápido; normalmente funciona. É que havia descoberto que não existia lá grande disposição para interpelá-lo, desde que fosse rápido e sumisse logo.
Já estava no seu destino mesmo, com o saguão do aeroporto logo à sua frente. As pessoas passando junto daquelas portas automáticas que agora se encontra para todo lado.
Adentrou o grande saguão e seguiu o fluxo de pessoas. Observou as placas eletrônicas indicando os voos saindo daquele aeroporto. Prestou atenção ao derredor e enxergou os postos de check-in, é o que estava procurando.
Agora faziam sentido todos os detalhes que gravara na memória. Foi nesta altura que perdera contato com Raul, seu amigo de vários anos e que precisou fazer o mesmo percurso não havia muito tempo.
Se agora precisasse levar adiante, não via nisso maior problema, pois, não possuía maiores vínculos com as pessoas daquela cidade. Não lhe fazia diferença, o importante agora era prosseguir, ter coragem, não olhar para trás e ir adiante.
Se colocou de frente com o acesso e iniciou uma caminhada calma, e bastante segura. Um homem de terno preto o deteve rispidamente como se não entendesse o seu propósito.
Olhou nos olhos do autor daquele atrevimento e aguardou. Não teve jeito, teve de deixar a entrada para o local de embarque. Humilhado e ultrajado retornou; deixou o aeroporto ainda a tempo de observar o ônibus prestes a sair.
Duas outras pessoas corriam para alcançá-lo. Juntou-se aos demais e conseguiram saltar dentro do veículo já de saída.
Pôde mais uma vez se acomodar e olhando para o vazio retornou para o ponto de partida. Ainda não seria dessa vez o momento de se rever seu amigo.
Também já não fazia mais ideia de quando poderia fazê-lo novamente. Por outro lado, a casa que antes o acolhia, agora só permanecia trancada. Dormia junto da soleira na frente da porta da sala.
A água era difícil, a comida era mais ainda. Desde que Raul se ausentara já não conseguia mais o mínimo para se manter vigoroso e brincalhão como antes.
Não havia muito tempo, ainda acompanhava animadamente seu tutor pelas ruas da cidade e acreditava que seria assim pelo resto de seus dias. Era uma vida boa, simples, mas alegre.
De repente; sem que conseguisse compreender por que, Raul se enervou e ficou muito deprimido. Tornou-se comum ver o amigo com as mãos na cabeça e depois com um olhar perdido.
Por mais que o chamasse para brincar, ele não se importava. Quis confortá-lo, mas também não me deu atenção.
Talvez tentasse mais uma vez chegar ao aeroporto, a despeito do motorista do ônibus. Então, talvez procurasse mais uma vez chegar no salão de embarque, a despeito do funcionário de terno preto.
Supondo que pudesse ser detido novamente, ou quem sabe, envolver-se em um problema maior, já aceitava a ideia de permanecer na frente de casa e esperar. Por hora não conseguia objetar de mais nada; apenas se sentar e esperar.
Sempre que uma sociedade entra em crise econômica seus animais participam da queda, juntos. A primeira má notícia é a perda da qualidade da alimentação, depois a diminuição da comida, até que finalmente centenas, às vezes milhares de cães e gatos são postos para fora de casa, costumeiramente conduzidos a lugares afastados e abandonados.
Isto quando a crise não incorre em uma mudança de endereço. Quando não é assim, até em uma mudança de cidade na busca por emprego em outras paragens.
É quando o amigo de outros tempos mais felizes é retirado de perto e deixado para trás. É assim, até que aprendamos a viver de outra forma. Este é o triste fim da história.