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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Aluga-se para ETs

Por: Antonio Mata

O casarão de dois andares não era lá essas coisas. Na realidade parecia deteriorado. Uma mão de tinta e algumas plantas ao redor ajudavam a melhorar a apresentação.

O piso havia sido lavado e encerado. Providência importante já que era muito antigo e sem brilho. Onde estivesse quebrado ou faltando, recebeu uma camada de cimento e um rejunte branquinho por cima que se estendia por todo o piso.

É verdade, nada era de primeira, mas, de segunda e até limpo. Menos ruim, tinha gente que encontrava coisa pior.

Logo na entrada, bem visível da rua, colocaram uma placa oferecendo quartos, Aluga-se para ETs.

Era recém-chegado naquela cidade, sem ter desejado estar ali. Mordido com a família, brigado com os amigos e inimigos, desacreditado dos homens e esquecido de Deus. Meio pobre diabo, meio João ninguém. Angustiado sem nem saber por quê.

Entrou no casarão em busca de um quarto.

— Você prefere o andar de baixo ou o andar de cima?

— Tanto faz.

— Então vou lhe mostrar o inferior mesmo. Devo dizer que aqui não tem refeitório nem servimos refeições. Essa parte é contigo. Banheiro é no final do corredor. Precisa se apressar no banho. Aqui é tudo muito natural. Quando faz calor, tá quente. Quando faz frio, aqui é muito frio. Quando chove, escorre água pelo corredor e às vezes pela janela. Mas é pouca coisa.

Ao se abrir a porta, o novo hóspede tomou um susto.

— Ora, mas aqui não tem nada!

— Sim, totalmente desocupado, arejado e limpo. Janela de frente para o sol da manhã e ventilado. Não precisa de ventilador.

— E se eu fechar a porta?

— Aí o vento não entra mais. A decisão é sua.

— Aqui não tem cama! Cadê a cama?

— É por isso que o preço é bem menor. Se exige pouco. É assim, já que tá todo mundo começando chegando, se ajeitando...

— Como ficar aqui sem ter onde dormir?

— Como não? Tem sim. É só ocupar o quarto. Pagamento adiantado, tá. Guardar aqui suas coisas e já irei providenciar a cama que tá faltando. Só vai ficar assim por um dia ou dois.

— Um dia ou dois? Aqui não tem sequer um criado mudo, uma cômoda. Não tem nada.

— Tá sendo providenciado. Não esquece que você faz parte do problema. A gente só tá querendo ajudar.

— O guarda-roupa quando vai aparecer?

— O senhor quer a cômoda ou o guarda-roupa primeiro? Tá trazendo muita coisa?

Se deu conta que no meio daquela situação só possuía uma pequena mochila com poucas roupas, uma pequena toalha e uns poucos pertences. Com pouco dinheiro e argumentos, logo acabou aceitando o que achava ser uma arapuca.

— Vou ficar aqui só uma semana.

— Tem certeza? Não quer garantir o mês todo? Tem desconto.

— Quero sumir daqui o mais rápido que puder.

— Não quer reservar para o ano todo? Tem mais desconto ainda. Às vezes a gente demora até mais. Muito mais.

Incomodado com aquela situação, mas já entendendo que teria de permanecer mais tempo naquela cidade, enfim aceitou. Após o pagamento recebeu a chave do seu quarto.

Estendeu o luxo de uma toalha de banho sobre o chão e se preparou para passar a noite daquele jeito. Bastava se mexer para a toalha sair debaixo dele.

Na manhã seguinte ao se levantar ouviu barulho no corredor e saiu para ver se encontrava alguém. Outro hóspede ajeitava algumas coisas em seu quarto. Aproveitou para ir até ele.

— Olá, tive que dar um jeito na falta de cama no meu quarto. Acabei dormindo em cima de minha toalha que não parava no lugar. Você passou por isso também?

— Se passei? Olhe você mesmo. Há três dias que espero por uma cama. Acho que aquele cara tá me enrolando.

O que viu foi uma folha de papelão. Uma caixa desmontada e estendida. Uma trouxa servia de travesseiro. Que lugar mais doido. Aquilo só podia ser algum tipo de sonho sem pé nem cabeça. Pior era a sensação de angústia que causava. Como algo que se recusava a passar.

Foi ao encontro do zelador, funcionário, proprietário, sabia lá quem. Só queria dizer umas verdades para aquele fulano.

— Peraí, eu tô sendo enganado! Quem você pensa que é?

— Tenha calma, pois tudo tem uma razão de ser.

— Razão de ser? Mas, afinal e essa história de ET? Que conversa é essa? Isso aqui tá uma porcaria. Tá tudo vazio, uma enganação. Quem é que vai chegar aqui e aceitar isso?

O homem não se alterou. Olhou bem em seus olhos. Em silêncio afastou-se meia dúzia de passos. Depois parou e virou-se.

— Assim é o ET que largou seu mundo, seu tempo, sua gente e sua história. Onde quer que chegue se sente angustiado e sem nada. No entanto, terá que cuidar de tudo. Pensar tudo, fazer tudo e aprender tudo de novo.

Então, saiu e foi embora.

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