Foto: Wikimedia Commons
Por: Antonio Mata
A conversa estava animada com propostas de novos destinos, por entre argumentações quaisquer na defesa de algum ponto de vista. Na realidade, sem muito proveito, apenas enchiam o tempo enquanto aguardavam o aviso de embarque.
O roteiro planejado para 2021, era de dar inveja a qualquer torcedor. Em fevereiro, final do Mundial de Clubes em Abu Dhabi, em abril, final dos campeonatos carioca e mineiro; em maio, final da Copa da UEFA, final dos campeonatos espanhol, inglês, italiano e da Primeira Liga em Portugal; novembro, a final da Taça Libertadores da América.
Eram torcedores de agenda cheia, principalmente em maio. Sem falar no que aparecesse pelo meio do caminho. Afinal, se julgavam portadores de todo o tempo do mundo. Queriam apenas aproveitar.
Ulisses, um dos integrantes, muito pouco entusiasmado com a história, soltou o motivo de suas apreensões:
— Vem cá, por quanto tempo ainda vocês pretendem continuar com essa vagabundagem?
— Não apela não, não apela não! Aqui só tem brazuca e vamos assistir aos jogos onde eles ocorrerem. Nosso compromisso é com o esporte. Se você não quiser, fique aí no saguão. — Era Franklin, na defesa das iniciativas do grupo.
Tão logo foi anunciado o embarque, se reuniram junto ao portão 04, fazendo a última fila de embarque.
— Entra aqui todo mundo. É a fila dos passageiros especiais.
— Eu já sei. A fila dos duros, dos sem bagagem e dos sem passagem. — Agora era a vez de Claudio contestar a iniciativa.
— Não se comprometa. Esta é a fila dos desportistas. Dos amantes do futebol. Somos a verdadeira torcida.
Comentários e brincadeiras à parte, todos puderam embarcar sem nenhuma restrição da parte dos funcionários que verificavam os passageiros no momento do embarque.
Sem problemas, todos adentram o corredor de acesso, e logo começam a resmungar.
— Da próxima vez vou entrar na frente. Serei o primeiro.
— Tomara que sentem no seu colo.
— Tomara que seja um daqueles sujeitos gordos, que mal cabem no assento.
— Pois saio e procuro outro. Não nasci colado em coisa alguma.
— Deixe de bobagem, aguarde os demais entrarem que depois a gente sempre se ajeita. Isso não é nada, o importante é poder assistir os jogos. Não foi isso que se combinou? — Dizia Franklin.
Prosseguem passando pela comissária de bordo. Oferecem um “boa noite”, tão sonoro quanto debochado. A comissária vira o rosto para o outro lado e simplesmente os ignora.
— Eu não te falei. Pode fazer o que quiser, elas não ligam e nem se importam com você. Gente, sem educação, nunca vi!
— Deixa pra lá. Também não fique esperando que ela traga lanches ou salgadinhos. Você se acostuma com essas mesquinharias de empresas aéreas.
— É isso mesmo. Você não deu nada, portanto não espere nada. Agradeça por poder viajar de pé e não aparecer ninguém para encher o saco.
— Eu tô ficando cansado dessa vida. Sério mesmo, tá me dando um troço que não sei o que é. — Claudio prosseguia incomodado.
— O outro desocupado ficou no aeroporto. Agora é a sua vez? Vai querer ficar dentro do avião?
— Franklin, não amola, só estou cansado. Esse negócio de só ficar viajando é deprimente. Queria interagir com os demais.
— E nós aqui, servimos para quê? Chegue para cá e venha conversar.
Ficou olhando para o autor do convite, pensando se realmente estaria entendendo o que ele quis dizer.
Quando chegaram no aeroporto de Heathrow, Londres, Claudio desembarcou com os demais, porém permaneceu no saguão. O que quer que estivesse lhe perturbando, exigia uma decisão. Sempre achou aquilo tudo muito bizarro, ainda que acompanhasse os demais. Estava preocupado buscando entender o que mais poderia fazer da vida. Sentia-se verdadeiramente fadigado.
Já tinha assistido três sequências completas de finais de campeonatos, além de jogos “espetaculares” que os demais se recusavam a perder. Mudava a tripulação dos aviões, mudava a língua local. Só o comportamento das pessoas é que continuava sendo o mesmo, onde quer que estivessem.
— E aí Claudio, o que foi agora?
— Vou ficar aqui e aguardar o avião retornar para o Brasil.
— Eu não acredito. Está arregando também?
— É, estou sim.
— Pois muito bem. Vai ter a oportunidade de viajar sentado.
— Isso não importa, tanto faz. Não vai mudar nada mesmo.
Franklin lamenta, ao ver o amigo desistir de mais uma final de campeonato.
— Tá legal. Quando chegar por lá, dá um abraço na garotada do Brasil por mim.
Claudio o encarou mais uma vez.
— Você sabe que não posso fazer isso. Não é?
Estas eram as constatações, as verdades sobre as quais ninguém queria falar. Não gostavam sequer de pensar nisso. Franklin só só conseguia lembrar que estava farto de operar aquela empilhadeira do depósito. Depois, era como uma nuvem, desapareceu todo o resto que pudesse carregar em sua mente. No fundo não queria lembrar.
O que queria mesmo era viajar e acompanhar os campeonatos. Aqueles que só podia ver pela tv. Contudo, era obvio que Claudio sabia de tudo. Aproximou-se do amigo e deu-lhe um abraço. Depois virou-se e foi juntar-se aos demais, que aguardavam junto ao ônibus.
Caminhando, ainda falava ao amigo:
— No ônibus, estando de pé ou sentado, tanto faz como tanto fez. Ninguém vai ver nada mesmo.
Claudio achou graça do comentário do amigo. Ajeitou-se em um banco, disposto a esperar pelo seu retorno.
Naquele momento foi interpelado por um desconhecido que lhe dizia, gentilmente:
— Claudio, e então, já mudou de ideia? Não acha que seria o caso de nos acompanhar?
Olhou para o homem de meia-idade à sua frente. Já o conhecia, pois não era a primeira vez que se encontravam. Porém, respondeu:
— Não, não preciso. Estou bem aqui, só quero retornar para o Brasil, só isso.
— Você tem certeza?
— Tenho sim.
— Então está bem Claudio. Faça como quiser, e fique com Deus.