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Por: Antonio Mata
— Mamãe, tem cachorro lá dentro da escola?
A pergunta infantil partia de Lucinha, que aos cinco anos indagava de sua mãe. Agora Ana Clara tinha alguns segundos para “matutar” uma resposta, por simples que fosse, mas que atendesse adequadamente à curiosidade de sua filha.
Havia adotado como prática responder às indagações de Lucinha, na medida em que crescia e descobria coisas novas, o que ensejava novas indagações.
Como a pequenina já havia iniciado o aprendizado das primeiras letras, Ana Clara pensou que alguma coisa, algo na escola, durante a aula, ou algo que tivesse escutado no caminho para a escola, tivesse provocado a curiosidade da menina.
Ana gostava de incentivar as indagações da filha. Desde bebê apoiava suas descobertas com livros coloridos, de pano, de plástico, ou emborrachado. Ou ainda nos brinquedos de peças para montar, além das tradicionais bonecas, sempre muito coloridas. Contudo, outras situações inesperadas surgiam na escola de Lucinha.
Certa feita uma das professoras, a tia Luiza, logo após o término das aulas, havia subido até o segundo pavimento do prédio, se dirigindo a uma das salas para buscar alguns materiais que utilizaria na manhã seguinte, reunindo tudo em uma caixa de papelão.
Foi quando se deu conta de que sentia a presença de pessoas, mas quando olhava ao redor da sala, não via ninguém.
Em um dado momento percebeu que ouvia, ainda que parcialmente, fragmentos, trechos de conversas. Tornou a sentir a presença de pessoas, tornou a olhar ao redor e mais uma vez não viu coisa alguma.
Sentia vontade de sair dali, mas se viu petrificada sem conseguir se mover. Sentiu as mãos geladas, o cabelo em pé e o corpo formigando. A vontade de correr aumentava, mas as pernas insistiam em não responder. Não conseguia se mover.
Abaixou a cabeça, com grande esforço se colocou de frente para a porta da sala e lentamente se dirigiu até ela, passo a passo em uma travessia que parecia extensa demais para ser real. Quando cruzou a porta, empurrada como que por um raio, jogou a caixa para o alto e desabalou a correr e a gritar na direção da escadaria de acesso ao primeiro pavimento. Geeeente! Valha-me Deus! Carol!! Paula!! Renataaaa!
Gritava o nome de todo mundo, para ver se pelo menos uma delas lhe atendia o desespero e desassossego daquele momento. Quanto mais corria, quanto mais gritava, não achava ninguém no andar térreo. Nem nas salas de aula, nem na secretaria, nem na cozinha, refeitório e muito menos nos banheiros.
Se deu conta de que seu pesadelo estava apenas começando. Todas foram embora e a deixaram ali, sozinha, sem ninguém para salvá-la daquelas vozes e presenças estranhas.
Saiu em desemfreada correria na direção do portão de acesso ao prédio, gritando em desespero e se sentindo esquecida de tudo, de todos e do mundo.
Deu de cara com Renata que vinha logo à frente, junto com Paula e Carolina. Caíram no chão e entre soluços, lágrimas e impropérios, Luiza cobrava a presença das demais.
— Onde vocês estavam, quando mais precisei de vocês na minha vida?!
Renata, junto com as demais tentava sem sucesso explicar.
— A gente foi lá atrás procurar goiaba. Foi Paula que arrematou.
— Pensei que alguém tinha invadido o prédio. Você está bem?
Luíza, ainda sentada no chão, assustada, agora também envergonhada pela cena burlesca de comédia pastelão. A pobre moça pôs-se a chorar copiosamente, enquanto dizia, com as duas mãos no rosto:
— Pensei que vocês tinham me abandonado aqui sozinha.
Carolina tentava consolá-la sustentando que voltariam em seguida com as goiabas. Só que não deu tempo, pois tiveram que retornar correndo, por conta daquela gritaria e receosas do que iriam encontrar pela frente.
— Isso é que é um final de tarde cheio de emoções.
Renata avaliava sarcasticamente a situação; enquanto ajudava a amiga a se levantar. Nisso chegou outra pessoa que também estava nos fundos do prédio. Era Leila, com uma cestinha cheia de goiabas.
Quando viu aquilo e a tranquilidade de Leila, Luiza se aborreceu e lhe cobrou rudemente pela falta de solidariedade.
— Você não me ouviu gritar? Não me viu correndo feito doida? E fica aí com essa cara de quem não sabe de nada?
Leila, comendo goiaba, pacientemente lhe dizia:
— Eu não vi não, mas ouvi sim. Também vi as meninas correndo de volta para o prédio. Aí então pensei, se for um monstro de verdade, alguém precisa ficar para contar tudo o que aconteceu.
Como de repente o barulho e a confusão cessaram, e a fala ficou mansa, entendi que já estava tudo de boa. E aí cá estou. Quer uma goiaba?
Assim, mais um dia de trabalho terminou, sem que os fantasmas tivessem perseguido ninguém, por absoluta falta de fantasmas interessados.
Em sua casa, durante a noite, junto de João e Ana Clara, seus pais, a pequena Lucinha contava sobre as ocorrências do dia na escola.
Com a esperteza, mas também com a ingenuidade que os cinco anos lhe conferiam, apontou a primeira novidade daquele dia.
— Mamãe, tem cachorro lá dentro da escola?
A mãe surpreendida com a indagação da filha buscava uma saída para que Lucinha não ficasse sem resposta. Então disse:
— Tem sim Lucinha.
Quando João, sentado ao seu lado, no sofá retrucou:
— Na escola tem cachorro, desde quando?
Ao que Ana Clara respondeu:
— João não complica, espera aí...
— Lucinha meu amor, na escola pode ter sim. Ele pode ter conseguido entrar sem que ninguém o visse.
Então, já convencida, e com ares de quem já estava entendendo tudo, Lucinha esclareceu uma coisa.
— Ah, agora já entendi. É por isso que lá na escola os cachorros ficam sumindo o tempo todo.
Agora era a vez de Ana Clara ficar embatucada com o comentário da filha.
— Sumindo como Lucinha?
Lucinha então reuniu as lembranças dos últimos dias e lhe contou que havia três cachorros, mostrando nos dedinhos.
— Eles são grandes assim.
E pôs a mão espalmada na altura de seu nariz, indicando, a partir do seu corpinho, a altura presumida dos cães. Estes cães chegavam sem avisar, não mexiam com ninguém, circulavam por todos os lados, por dentro e por fora do prédio. Eram avistados por algumas crianças e depois iam embora.
Ana Clara achou tudo muito estranhou e ficou de falar com uma das professoras sobre essa história de cachorros circulando na escola.
Queria falar logo na manhã seguinte, antes que o assunto virasse motivo de fofoca. Mesmo porque, Lucinha havia dito que outras crianças haviam presenciado, e imaginava o que poderia acontecer se tocassem em animais que certamente teriam vindo da rua. Alguém tinha que vigiar aquele portão. A fofocada prometia ser grande.
Na manhã seguinte logo após deixar a filha com a tia Luiza, Ana Clara foi conversar com Renata, a pedagoga, sobre o relato oferecido por sua filha na noite anterior.
Renata ouviu atentamente ao relato de Ana Clara e depois comentou:
— Clara eu estou estupefata com sua exposição. Não sei lhe dizer como três cães, e por sinal grandes, entraram aqui. E ninguém viu?
Pediu para que Ana Clara aguardasse um pouco enquanto fazia uma rápida enquete junto a equipe para ver se surgia mais alguma coisa. O que de fato não aconteceu. Então respondeu à mãe:
— Clara vou trazer a Lucinha para conversar conosco, pode ter sido um mal entendido. Com
Lucinha junto à mãe e da tia Renata, então a menina pôde contar mais uma vez o ocorrido. Ao final do relato, Renata quis saber de Lucinha.
— Depois que você viu os três cachorros Lucinha, para onde eles foram?
Lucinha, calmamente respondeu:
— Eu não sei tia, eles estavam lá, e de repente não estavam mais. Nas outras vezes que eles vieram foi a mesma coisa, eles estão lá, e daqui a pouco foram embora. Eles somem para voltar depois. Acho que quando sai todo mundo, eles ficam tomando conta.
Renata achou graça da história de Lucinha e sua mãe também. Supondo que tudo não passava de imaginação, deram o caso por encerrado, com Ana Clara se dirigindo ao portão.
Lucinha se despediu de sua mãe e voltou para a sala de aula, não sem antes dar um olá ao trio de vigilantes sentados próximos ao portão.