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As pedras podem rolar

                                                                                                                                                           Foto: Wikimedia.org

Por: Antonio Mata

Mares de morros, é assim que os geógrafos chamam as concentrações de formações graníticas existentes no Sudeste brasileiro. Alguns comparam com os seios femininos, outros mais acertadamente chamam de formações testemunho, ou relevo residual.

Indicativo de antiquíssimas montanhas que existiram na região. Ajudaram a oferecer às terras do Rio de Janeiro o seu aspecto estreito, apertado, entre o mar e as serras, com os morros ora concentrados, ora espalhados.

O interiorano observa isso com facilidade. Toda vez que ameaça um temporal, o gado sobe os morros procurando terras mais altas, pois, o Rio é também um antiquíssimo caminho das águas. Águas estas competentes no paleo serviço de desmanchar as montanhas.

Agora, no moderno serviço de desmanchar as cidades. É assim mesmo. O boi, há quem o considere manso e estúpido. Ele sabe escapar das enchentes e nem precisa de sirenes de alerta. Até para pastar é preciso saber como.

E como já era de se esperar, sobreveio a tormenta. O gado subiu o morro como de costume. Josué havia se estabelecido em um pequeno lote no sopé do morro. Construíra a pequena moradia de dois quartos onde se ajeitavam ele, a mulher e quatro filhos.

O lugar era afastado, um tanto quanto tranquilo, e sem enchentes; pelo menos é o que pensavam. Vida de dificuldades com a filharada para alimentar e o dinheiro insuficiente.

Havia vizinhos por perto na pequena área de invasão com lotes que não chegavam a 17 metros de fundo. Sem muitas escolhas, consideravam  o suficiente para colocarem suas casas.

Com as águas desviadas por um pequeno canal feito pelos próprios moradores e que anualmente precisava ser refeito, o importante é que estavam afastados de enchentes, mesmo porque o trecho ficava no sopé mais alto. Quando o gado subiu rapidamente o morro, todos já sabiam o significado.

As mulheres correram para tirar as roupas do varal, recolher os filhos e fechar as janelas. Sobreveio um aguaceiro impensável. O pequeno e raso canal transbordou rapidamente. A água excedente invadiu as casas próximas até a altura dos joelhos.

O bravo canal deslocou a maior parte da enxurrada, evitando que a pressão da corredeira forçasse as paredes das casas e barracos, poderia ter sido pior. Repentinamente, na casa de Josué, ouviu-se um estrondo medonho, que em um primeiro momento ninguém entendeu.

Um som de galhos e troncos de árvores se partindo ao impacto de algo que só podia ser uma coisa.

— Valei-me minha Nossa Senhora! Gritou Josué diante do estrondo, sentindo um calafrio ao imaginar um bloco de granito rolando morro abaixo na direção das casinhas e barracos indefesos do povo de Deus.

Não era nenhuma novidade, a encosta estava ali, blocos rolam todos os anos, é só ligar a tv. A tempestade prosseguia feroz e cruel, com ventos e águas intensas.

Ele e Esmeralda puseram os filhos pequenos em cima da mesa e de uma velha cômoda, doação de um antigo patrão. Buscavam levantar os colchões e coisas menores. Já havia lembrado de desligar a chave elétrica geral quando a água começou a se aproximar do motor da geladeira.

Esmeralda havia corrido a soltar o cachorro para que saísse dali, mas o que ele fez foi correr para dentro de casa e foi puxado para cima da mesa com duas crianças. Era o que se podia fazer, o resto era aguardar. Foi 50 minutos de muita agonia.

Quando o aguaceiro arrefeceu saiu para verificar os estragos. Galhos espalhados pelo chão, pedaços de pau, objetos de plástico flutuando sobre a água. Então, Josué ficou pasmo, havia um boi.

O animal, com a tempestade deve ter escorregado do alto do morro, caindo encosta abaixo e quebrando galhos e arvoredos pelo caminho, até bater brutalmente a um ou dois metros da parede da casa. O homem estava perplexo. Voltou em silêncio, foi ver se os vizinhos precisavam de alguma ajuda.

Certificando-se de que o principal problema agora era retirar a lama de dentro das casas, voltou e foi ajudar a mulher. Ao final chamou os vizinhos.

Então anunciou que, em homenagem à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, iria oferecer naquela noite um churrasco, onde todos estavam convidados. É assim mesmo, há quem diga que até o susto de um boi se aproveita.

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