Por: Antonio Mata
Não teria prestado atenção, não fosse a insistência de seu tio no sentido de que buscasse ler a respeito. Achava que em algum momento, o sobrinho poderia se desinteressar. Lugares fechados, ora quente, ora frio. Ora aberto, ora apertado e nada de sol.
Atendeu a recomendação, gostou e seguiu adiante. A exploração de cavernas. Adquiriu equipamento de proteção e segurança. Engajou em um grupo de simpatizantes da atividade. Um explorador mais experiente sempre acompanhava os demais, oferecendo as orientações que se fizessem necessárias.
Então, era reunir a equipe, informar-se das condições de tempo com antecedência. Avisos de tempestade, ou épocas de muita chuva significavam o fim da exploração.
Verificar os equipamentos disponíveis. Capacetes, vestimentas e botas, kit de primeiros socorros, cordas, lanternas, pilhas extras, mosquetões, cantis com água. Bolsas à prova d’água e alimentos energéticos, fáceis de se ter à mão.
O tio só queria que Rômulo deixasse de lado o sofá e procurasse dedicar seu tempo a outras coisas. De fato, tornou-se um dos membros mais motivados do grupo. As sequências de fotografias postadas nas redes, denotavam seu gosto e motivação.
Não muito distante de sua cidade, várias cavernas já haviam sido exploradas e seu grupo acabou fazendo o mesmo. Mais adiante, umas três horas de carro, pelo menos, surgiam na mata, novas possibilidades de exploração. Só que inusitadas.
Uma primeira visitação de identificação e ficou decidido que adentrariam mais profundamente uma determinada caverna encontrada, em outra oportunidade. Rômulo era só ansiedade, enquanto os dias avançavam preguiçosamente.
Chega o dia combinado. Rômulo sai na frente e procura reunir exploradores e equipamentos. Ansiedade não combina com negativas, na hora de compreender as razões dos outros.
As três pessoas que haviam estabelecido participar daquela exploração, por razões pessoais, não poderiam mais fazê-lo. Foi sugerido que Rômulo deixasse tudo para outro momento mais oportuno. Detestou a ideia.
Se no âmbito daqueles que, em princípio estariam com ele, já estava dando errado, bobagem querer reunir outras pessoas, tão em cima da hora e sem saberem sequer do local. Rômulo estava sozinho, esperando a mais coerente das decisões.
— Tá legal, não dá para vocês. Não tem problema, mas vai dar para mim.
— Tá louco cara? Esqueceu de tudo que a gente aprendeu? Não se entra em cavernas sozinho. Muito menos numa caverna que você não conhece.
— Fica frio Diogo. Você tem as coordenadas. Em no máximo quatro horas, vou estar entrando no lugar. Mais tardar ao meio dia. Só devo avançar por duas horas e depois já faço a saída. Lá pelas quatro e pouco, já estarei voltando. Antes das cinco da tarde, eu te ligo e conto como foi.
— Toma cuidado irmão. Vê se não faz besteira.
— Tá tudo bem. Vou fazer umas fotos e depois te mostro.
Não gostou do excesso de iniciativa de Rômulo. Aliás, uma má disfarçada precipitação. Temia pelo amigo, por motivado que fosse. O ambiente de caverna, movido pelas precipitações humanas, pode se tornar traiçoeiro e hostil.
Se despediu do amigo, retornou ao carro, tomando o rumo da sua exploração. O mundo interior, escuro, diferente e multiforme das cavernas. Contudo, existe nelas um tipo de beleza.
Uma beleza de um lado rústica, do outro singela, nestes ambientes tão pouco conhecidos. Domínios da escuridão, mas que se fazem coloridos, brilhantes ou opacos. Ante a presença da luz. Ali, certos habitantes, sequer possuem olhos. Não precisa.
Verificou seus equipamentos e demais providências logo ao chegar. Cumpriu uma caminhada de uns 7 quilômetros, até a entrada da caverna, indicada por coordenadas em um mapa. Tudo escrito à mão.
O mapa, antigo e provido de poucas informações. Mas, as coordenadas estavam nele e os próprios exploradores o complementavam com suas próprias informações e descobertas. Eram trilhas, córregos, elevações e vales estreitos. Grutas, lapas menores e lajeados. Distâncias da estrada principal e das trilhas.
Tudo que pudesse oferecer referências a um explorador da região. Rômulo anotava tudo diligentemente, em um mapa de rascunho, para posterior aprimoramento.
Enfim, chegou à entrada da caverna. Com um facão desbastou parte da vegetação. O que permitiu um pouco mais de luz no acesso. Não era muito grande, talvez 1,3 m de largura, com vegetação e pedras na frente. O acesso ficava do lado do poente. Então, admitiu a possibilidade de um feixe de luz, lá pelas 16 horas, talvez até um pouco antes.
A pequena inclinação no acesso ficou bem visível, lhe permitindo adentrar uns 40 metros, ou quase isso, sem o uso de lanterna. Acendeu a iluminação e avançou, atento onde pisava e onde colocava as mãos. Notava o teto a uns 40 ou 50 cm de altura, acima de sua cabeça naquele trecho. Seguia praticamente em linha reta. Lembrou que a altura, estimada em 2,10 m, lembrava a altura da entrada nas residências.
— A natureza parece também gostar de medidas. Se aparecer uma entrada à esquerda para uma sala, não vou nem estranhar. Vão gostar de ver isso daqui.
A natureza tinha outras ideias para Rômulo. Nem por isso, menos interessantes. Também, nem tão demoradas de se fazer, como na lenta e progressiva escavação de cavernas, provocada pelo intemperismo. A ação dos elementos naturais.
Vasculhando lentamente, à luz da lanterna, percebeu uma abertura. Na realidade, com apenas 150 metros adentro, talvez nem isso, viu se abrir à sua direita e não à esquerda, uma passagem bem maior. Com uns 3 metros de largura, pelo menos.
Viu-se em uma bifurcação, no mínimo diferente. Logo adiante, a caverna prosseguia, ainda com sua ligeira descida, bem perceptível. Já à direita, na passagem maior, acendeu uma lanterna de mão para iluminar melhor.
O que viu nesta derivação, foi uma formação distinta da que estava logo adiante e que prosseguia com metro e meio de largura. Já a altura aumentava. Qual seria a caverna principal? Só havia um jeito de saber.
Decidiu avançar à direita, observando bem suas paredes. Sentiu-se dentro de um tubo de natureza argilosa denunciado pelo vermelho-amarelo das paredes. Como se tivesse desligado do terreno original, este mais rochoso e cinzento.
As marcas de grandes dimensões, de cima para baixo e em diagonal, não lhe deixavam a menor dúvida. Não era uma caverna. Havia sido escavada por poderosas e grandes garras. Aquilo era uma toca.
Rapidamente lembrou das gravuras de um livro, onde se retratava a preguiça-gigante, a Eremotherium. Um animal da megafauna sul-americana, que viveu a até uns dez mil anos passados. No final do pleistoceno.
Então, indagava de si mesmo.
— Só uma coisa Rômulo. Se a caverna já estava aí, por que teve de cavar uma toca? Isso não está fazendo sentido. Talvez prosseguindo na toca, tenhamos uma resposta.
Progredindo com segurança, prestando atenção em bichos que poderiam estar ali dentro, avançou pelo menos duzentos metros. Encontrou nova bifurcação.
Tomou a da direita mais uma vez. Após uma espécie de salão ou dormitório, em 100 metros adiante achou uma saída tomada de vegetação. Mas, pôde observar a luz do sol da tarde.
Retornou e percorreu a passagem mais à esquerda. Teve de prosseguir um trecho sabidamente maior. Estimou em quase 200 metros. Entretanto, encontrou pequeno feixe de luz ao final. Havia feito uma descoberta incrível. A apenas sete quilômetros da estrada. Estava esfuziante.
— Nada mal para um amador. Mas é preciso responder minha própria pergunta. Vamos voltar, agora rapidamente e retomar a marcha indo para a direita. Na verdadeira caverna.
Cavernas não são caminhos, nem foram concebidas pensando em seres bípedes. Os antigos, os povos primordiais, que viviam em cavernas, as aproveitavam do jeito que as encontravam.
Redobrando a atenção e os cuidados, pôde seguir adiante, fazendo uma curva à esquerda, fácil de perceber. A altura lhe permitia avançar de pé e a largura também. Ótimo assim, pensava.
Mais uns 300 metros além, deparou-se com uma galeria, um grande salão. Além da lanterna do capacete, ligou duas lanternas de mão. O que viu foi exuberante. O salão brilhava reluzente sob a luz das lanternas.
Estalactites brilhavam como grandes luminárias no salão. O adorno natural facultado pelo tempo, pelas fendas, pela água e as concentrações de carbonato de cálcio.
As estalagmites se amontoavam sobre o chão, fazendo cones brilhantes. Uma espécie de pingadeira que deu certo e ninguém reclamou. Rômulo via, mas parecia não acreditar.
— Ah, meu Deus! Que presente, que presente! Vão amar isso daqui. Não sabia de nenhuma galeria dessas aqui por perto. Isso vale registrar. Trazer visitantes, turistas, movimentar a cidade. Fazer trilhas, passeios, inventar um monte de coisas.
— Eiiii, aqui é fantástico! Eiii! É demais!
O frio subiu pela espinha, enregelou as costas e imobilizou as pernas, quando recebeu uma resposta inesperada.
— Já sei disso! Humm!
— Hãnn? — A voz grave era de meter medo. Ali dentro, como?
— Eu disse que já sei disso.
Rômulo virou-se para enxergar de onde vinha aquela voz grave e alta em volume. O que viu o deixou assustado. Para contar pouco. Só conseguia ver do peito para baixo. A cabeça parecia ter um contorno estranho. Esforçou-se por manter a calma e conversar.
— Ah, eu não o tinha visto. Você entrou antes de mim?
— Com certeza.
A certeza só aumentava. Principalmente pelo homem enorme estar na frente da passagem para sair dali. A voz de Vincent Price estava logo ali, na sua frente. Contudo o que mais o perturbou foi a cabeça. Procurava enxergar o rosto. Uma das lanternas, inesperadamente pifou.
— Então, já tinha visto a toca da preguiça-gigante? Esse lugar é realmente incomum.
— Com certeza...
— Que coisa mais fantástica. Dá vontade de conhecer tudo.
— Com certeza...
Rômulo buscava manter a calma e conduzir a situação. Pelo menos até o grandalhão sair da frente da única saída. Ao menos, aquela que ele conhecia.
— O que terá acontecido com aqueles animais enormes?
— Sim, aconteceu algo. Com certeza...
— O que terá sido? Seja o que for, era suficientemente potente para fazer sumir quem escavou a toca, assim como sua prole. Arriscaria dizer que, o que matou um, matou os demais.
— Com certeza...
— Só esse detalhe já justificaria todo um trabalho de investigação científica. Com uma equipe especializada de paleontólogos.
— Com certeza...
Lentamente o grandalhão com voz de Vincent Price se afastou da passagem de saída. Rômulo entendeu que estava na hora de dar um jeito e picar a mula dali.
— Sendo assim e entendendo desde de já, que isso tudo exige conhecimento superior, vou procurar a universidade. De modo, que mais pessoas possam ajudar.
— Com certeza...
— Então, como já preciso ir, qual é mesmo seu nome?
— Astério.
— Astério, um nome muito singular.
— Com certeza...
Ao virar-se momentaneamente, a lanterna de seu capacete focalizou uma ossada de grandes proporções. Prestou atenção no que parecia serem costelas e uma cabeçorra. Nem que uma vaca tossisse. Eram ossos de Eremotherium. De relance continuou focalizando ao redor, quando sua barriga enregelou de vez.
O que viu então, foram ossos humanos. Uma pilha deles. Os de Eremotherium estavam separados, como uma espécie de souvenir. A cabeça do explorador perdeu a noção do tempo.
O que uma ossada de preguiça-gigante faria ao lado de ossos humanos? “Não pode ser, ele comeu isso tudo. Ele come carne...” Juntou seus frangalhos de realidade e coragem para balbuciar alguma coisa, que saiu com voz trêmula.
— Estatatá bem, aaagora preciso ir. Nonoos veremos depois.
— Não vai não!
— Ooo que disse?
— Não vai não!
Foi quando conseguiu prestar atenção e focalizar a cabeça e o rosto do monstro. Possuía uma cabeça de touro. Enorme, preta, com chifres e o encarava. O nome da criatura se tornou familiar, como que saído de uma mitologia de loucos.
Rômulo deixou a conversa de lado e desabou a correr e a gritar como um alucinado, varando pela passagem por onde entrara. Se fosse para dar uma cabeçada, torcer o tornozelo, deslocar um ombro de encontro às rochas ou mesmo morrer de susto, não haveria na vida, oportunidade melhor.
Corria e berrava, berrava e corria com a luz bruxuleante de seu capacete virando para todo lado. Iluminava e nem iluminava. Não dava tempo de ter noção de onde pisava, ou o que estaria dos lados ou acima. Era gritar e correr, ouvindo passos pesados e rápidos. As patas de um animal.
Vislumbrou pequeno feixe de luz. Era a saída. O sol se punha rapidamente. Correu como um desesperado na direção daqueles raios, logo à frente, lá fora. Quando repentinamente sentiu algo bater como um som oco, nas suas costas. Seu capacete voou de sua cabeça. Sentiu uma dor brutal com as vértebras sendo arrancadas. Era o fim.
Caiu como um boneco de criança, desconjuntado e sem coluna que o sustentasse. Adiante os raios de luz desapareciam lentamente, dando os últimos contornos da entrada.
O telefone tocava sem parar. Até que, finalmente acordou.
— Rômulo, minha mãe não vai mais no supermercado. Então já posso ir contigo. Não precisa mais ir sozinho.
— Ah, não. Eu não quero mais.
— O que disse?
— Perdi a vontade. Não quero ir, mudei de ideia.
— Eu não acredito! Tá falando sério?
— Sim, não quero mais.
— Você, Rômulo, seu amarelo! Seu arregado! Enganou todo mundo! Você é uma fraude Rômulo!
— É..., acho que é isso mesmo.
— Quer saber? Não me chame mais para entrar em caverna nenhuma. Prefiro ir sozinho, seu arregado!
— Tá, tá bom. Mas olha, não vá sozinho...
FIM