Por: Antonio Mata
Abandonou as alturas em um movimento circular amplo. O raio de uns dois mil metros lhe dava uma visão e tanto. Em espiral, lentamente perdia altura.
Os olhos aguçados prestavam atenção nos detalhes, movimentos, cores, padrões, até localizar e fixá-los em algo significativo.
No interior do círculo pôde divisar algo minúsculo e esbranquiçado. Frutas; flores; folhas. Talvez pedras brilhantes, mas, no alto da árvore?
— É claro que não! Tem coisa boa lá embaixo! Vamos descer para ver mais de perto.
Reduziu o raio do círculo, colocando a árvore no seu centro. Rompeu com o círculo em espiral, se dirigindo em planeio, na sua direção.
De modo inesperado, uma mancha escura fez uma diagonal. Da direita para a esquerda e de baixo para cima. O movimento repentino lhe desconcentra do mergulho. Olhava para os lados buscando identificar o bicho confiado e atrevido.
— Quem se atreve?! Quem está querendo morrer aqui?! Se meteu com o gavião errado! Conte seus últimos instantes de vida, seu estúpido. Enquanto tem tempo para isto!
Prosseguia virando a cabeça rapidamente, sem, contudo, poder acompanhar o intruso. Isto, simplesmente o afastou do seu intento, tão perturbado que ficou.
Divisou pequeno passarinho cruzando teimosamente em sua frente, mas virando tão rápido, que quando conseguia realizar a mesma manobra, o passarinho já havia sumido outra vez.
Velocidade, coragem e flexibilidade. O gavião foi perdendo a paciência com o pequeno valente.
— Quem você pensa que é pintinho de galinha?! Apareça na minha frente, apareça! Não perca tanto tempo assim. Vai ser tudo muito rápido, quando eu segurar o seu pescoço!
O bem-te-vi, pequeno e atrevido, colocou-se logo acima de suas costas. Simplesmente repetia os movimentos e manobras frenéticas do gavião na busca de encontrá-lo. Tudo inútil, o passarinho era rápido demais.
— Eu vou voltar, seu atrevido! Eu vou voltar! — Cansado, desistiu do embate e se afastou em definitivo.
O bem-te-vi retornou à árvore e ao seu ninho. Reparou alguns pequenos galhos secos. Puxou um para cá, empurrou outro para lá, e pronto. Se deu por satisfeito. Verificou se estava tudo bem com os ovinhos e voltou para o seu ponto de observação e vigilância.
O gavião, irritado com o papel de bobo ao qual havia sido exposto, ficou na espera de um momento para retornar àquela árvore e rever o pintinho encrenqueiro.
— Deixa ele comigo. Está acreditando que poderá se safar para sempre. Mal sabe ele que tanto faz, se é ovo ou carne de passarinho. É sempre saboroso no final.
No dia seguinte, já descansado e mais atento aos movimentos e possíveis surtidas do bem-te-vi, logo ao amanhecer o gavião já estava sobrevoando o local. Identificou logo a árvore e mergulhou contra o alvo, resoluto.
Surpreendido pela mudança de tática, não restou ao bem-te-vi o enfrentamento direto. Subiu batendo as asas com força para adquirir altura e velocidade. Momento difícil do embate.
Quando se aproximavam face a face, bico a bico, o bem-te-vi desviou de súbito para a esquerda. Fez uma curva fechada aparecendo nas costas do gavião, mais uma vez.
O gavião, irado com a evasiva rápida, caiu na armadilha mais uma vez. Desde o início do mergulho, quando avistou bem-te-vi à sua frente, assumiu que este seria o alvo.
Quando sobreveio a manobra evasiva do bem-te-vi, o gavião saiu tentando persegui-lo, sem conseguir seu intento. Porém, sendo afastado do ninho.
Se tivesse prosseguido com o mergulho, teria encontrado o ninho sem nenhuma proteção. Era este o ardil. O bem-te-vi trabalhava em cima da confusão que criava na cabeça do gavião. Fazendo com que perdesse a atenção na caçada pelos ovos.
Já pegar o bem-te-vi, era outra história. Muita luta para pouca carne. No entanto, o gavião, humilhado, não estava disposto a desistir tão fácil.
Muito embora não conseguisse, sequer, tocar no passarinho. Dessa vez a sorte havia virado. Quando o pequenino entendeu, o tempo já corria contra ele. Era o cansaço. O gavião tentaria cansá-lo para poder matá-lo. Assim pegaria a carne e os ovos.
Procurou afastar o invasor o máximo possível do local do ninho. Enquanto emitia sinais de alerta e auxílio. Chamava por outras aves próximas para ajudarem na luta contra o predador.
Sabia que havia outros ninhos próximos. Portanto, outros defensores. Precisaria do apoio de todos quanto pudesse reunir naquele momento crítico. Pois, com o cansaço, o invasor estava prestes a alcançá-lo.
Manobrava rapidamente em curvas muito fechadas que o gavião não conseguia acompanhar. No entanto, o predador não desistia da caçada, obrigando o bem-te-vi a cansativas manobras.
Mergulhou na direção das árvores, com o gavião no seu encalço, na iminência de capturá-lo. Mais uma vez o gavião se mostrou pouco atento ao que se passava ao redor.
Havia sido levado para perto dos bicos enfurecidos de outros bem-te-vis, suiriris, quero-queros e beija-flores. Estes passaram a interceptar o caminho do gavião.
Voando lentamente à baixa altura, passou a receber sucessivos ataques de bicadas das aves pequeninas, mas muito ágeis. O feitiço havia virado contra o feiticeiro.
Um corredor repleto de bicos agressivos transformou a perseguição ao bem-te-vi. Agora era o gavião que procurava uma oportunidade para desaparecer dali.
Finalmente, cansado, agredido e mais uma vez humilhado. O gavião não teve outra saída a não ser desistir de sua dieta à base de ovos e carne.
Coragem, determinação e agilidade, apoiados na união, foram os elementos que conduziram os pequenos passarinhos a uma vitória contra um gavião, por si só perigoso. A paz retornou àquele recanto da floresta.