Foto: Wikimedia Commons
Por: Antonio Mata
Separando um monte de coisas guardadas. Muitas já sem nenhuma razão de ser. Quis se desfazer do amontoado de papéis e objetos que enchiam prateleiras, gavetas, pastas e vão tomando conta da sala e dos quartos.
Tem gente que não consegue viver sem transformar a casa em um depósito de coisas usadas. Toda sorte de papéis imprestáveis e pelo meio, até documentos. Naturalmente perdidos.
Foi assim que certos entendimentos, acharam por bem aparecer no meio daquelas caixas, das quais já buscava se livrar.
De repente deparou-se com antiga revista enfocando uma história. Havia sido motivo de muito sucesso, quando transformada em telenovela. O texto e algumas fotografias lhe prenderam a atenção. Sentou-se e se pôs a ler.
Concluiu a leitura, juntou a revista ao amontoado restante de papéis velhos e caixas, e pôs tudo no lixo. Contudo, a lembrança que a leitura lhe trouxera ficou consigo. Não se importou muito, não naquele momento.
Tempos depois, buscava palavras soltas e chamadas de vídeo que ajudassem a complementar um texto. Como uma coisa puxa outra, pesquisava sobre petróleo. Lá pelo meio surgiu John D. Rockfeller. Um antigo magnata norte-americano, criador da extinta Standard Oil, uma empresa petrolífera gigantesca.
Então, quis prosseguir com o nome Rockfeller, foi quando a chamada lhe trouxe ele mesmo, o primeiro anti-herói das telenovelas, Beto Rockfeller. O personagem central de uma novela de tv, da também extinta Tv Tupi, que deu o que falar e estourou em grande sucesso.
Aquilo puxou coisas em sua memória, tanto quanto encontrou aquela revista antiga. Deixou de lado o petróleo e foi catar aqueles vídeos, fragmentos, montagens, capítulos avulsos, dos quais a Internet está cada vez mais cheia.
A novela tinham sido grande motivo de atenção e curiosidade, com famílias inteiras em suas salas, sentadas na frente da televisão para assistir a história daquele mutreteiro.
Paralelo ao personagem, por conta das cenas e do enredo, havia da parte do público um certo interesse em saber como os mais ricos, supostamente viviam.
As imagens, estas em preto e branco, sem HD, Full HD ou 4K, algumas pareciam fantasmas. Lembrou de como achava as primeiras imagens do pouso do homem na lua, uma coisa horrível. Não era só aquilo não, era o padrão da época mesmo, submetido à distância de transmissão.
A apresentação do elenco lembrava aqueles trabalhos feitos pelas crianças, curiosas em fazer montagem de vídeo.
No entanto, era assim o conhecimento da época. Diziam com certa frequência, a novela que revolucionou a teledramaturgia brasileira, talvez daí, o motivo do sucesso.
A novidade ajudou a lançar o personagem no imaginário popular, e fez criar alguma identidade com ele, mais exatamente por conta das suas conquistas amorosas, e os seus trambiques, às vezes hilários, o que na época levou muitos homens a assistir uma telenovela.
Era isso que se contava nos mais de trezentos capítulos, sustentados até o público enjoar. Sob a forma de comédia, as aventuras de um malandro, um picareta. O sucesso da novela ainda rendeu um filme com o mesmo nome. Entretanto, o que lhe chamava a atenção, ainda não era tal coisa.
Tinha 15 anos quando Beto Rockfeller fazia sucesso na tv. Ele mesmo nunca tinha visto. Não fazia parte de seus interesses, por maior que fosse o sucesso. Porém, pôde saber de um bocado de coisas que o mundo adulto fazia. Bastava prestar atenção nas conversas, além de situações que tenha presenciado.
Em algumas locações da telenovela, como na corrida de motocicletas, deixava antever os cenários da cidade de São Paulo que se agigantava. A preocupação em mostrar motocicletas de 90 cc, pois era o que estava disponível. Para os dias de hoje pareceria algo meio patético.
Mostrava ainda, ao longo da história, as tomadas de cena nas residências representativas dos bairros da moda em São Paulo, dos mais ricos, os interiores, as paredes quase sempre brancas, a decoração, os automóveis. A ideia do que era ser rico na época.
Do lado humano, as preocupações, os namoricos, os apuros, frequentar os pontos de encontro na rua Augusta, o encantamento do próprio personagem, pelo seu desejo de ascensão social, a qualquer custo, nem que fosse usando as pessoas, particularmente as mulheres.
O personagem muito bem representado, e eternizado, pelo ator Luís Gustavo. Na história, já queimado em São Paulo, Beto leva sua trapaça para o Rio de Janeiro. Já no cinema houve a antecipação da desilusão.
Na cabeça do Beto, um mentiroso contumaz, tudo o que ele fazia era grande, de tudo ele era capaz, tudo ele conseguia. No fundo vivia sem dinheiro e dependia de enganar os demais para poder manter seu estilo de vida. Beto Rockfeller era o suprassumo do lixo mental e da ilusão que ele sempre trás.
A história ele já conhecia, e o filme realmente não era grande coisa. O que lhe prendeu a atenção foi o contexto e uma certa fotografia. Não tinha nada a ver com aspectos técnicos, pois o filme, além do fato de ser colorido, tinha muito pouco a acrescentar. Porém tinham resolvido modificar o final.
Beto, ao final do filme, frustrado, cansado de tanto correr de dois seguranças e humilhado, se detém ao ver um fotógrafo lambe-lambe. O homem, acompanhado daquela máquina enorme, e que fazia a revelação da fotografia, ali mesmo, na hora. Beto pede uma fotografia, e na imagem ele não sorri e nem está sério. Beto Rockfeller, o picareta, o iludido, chora. E então o filme acaba.
Pensava naquele personagem e nas imagens indicativas de seus diversos objetos do desejo. Quantas pessoas não concebiam a vida daquela mesma forma? Ou melhor, quantas pessoas não perseguiram aquela mesma ilusão, não como um mentiroso, como Beto Rockfeller, mas investindo os seus melhores esforços, e os melhores anos da sua juventude, acreditando que estava fazendo a coisa certa?
Lembrava das vezes em que soube de amigos e conhecidos seus que hoje vivem sozinhos em casas enormes, repletas de pertences e mobiliários, tudo agora inútil, desnecessário e efêmero. Percebia que, de certa forma, já o era quando havia mais pessoas lá. A ideia de sucesso e riqueza vinculadas à posse de bens. Não ao afeto, ao sentimento que unia aquelas pessoas.
Aquelas cenas da tv em preto e branco, lhe contavam sobre os desejos, as ilusões daquele tempo, os mesmos que incontáveis pessoas buscaram, sacrificando pessoas, amizades, família. Construíram com tempo, esforço e dinheiro a solidão que agora persegue tanta gente.
Foi isso então que o transportou aos quinze anos, ao tempo de Beto Rockfeller. Ele conheceu pessoas que enveredaram por tais caminhos, que acumulavam bens, mas traziam consigo o vazio existencial e a solidão.
Isto foi o que melhor capturou das lições de Beto, o mentiroso. Saber que muita gente desejou aquela mesma ilusão, até se perder. A fotografia do personagem chorando, na última cena do filme, mais que ele próprio, retratava os tempos que ainda viriam para muitos que compartilhavam a mesma ilusão.
Bráulio Pedroso capturou o desengano humano em uma história, e Cassiano Gabus Mendes o expôs, para milhões de pessoas, através da televisão. Pena que a mensagem, apresentada por cerca de um ano estivesse incompleta.
Se de algum modo, Bráulio Pedroso, divisasse o espírito, talvez oferecesse mais profundidade à sua história. Porém, vivia-se os tempos do milagre econômico. O que crescia era a sociedade apoiada no ter, em detrimento do ser, aquele mesmo que ainda busca seu espaço e sua vez nas mentes humanas.
Para ele na frente da tela do computador, revendo antigas cenas, o que enxergava realmente, era a sucessão dos retratos do tempo. Algo que poderia ter se acercado de uma outra forma, se aqueles milhões de pessoas concebessem o espírito e a vida espiritual na sua potencialidade.
Assim, todo o resto, toda a significação da vida meramente material, apoiada na riqueza, poderia ter sido substituída pela ideia de prosperidade. Na prosperidade a riqueza cresce, contudo, o sentimento também cresce, e com ele a fraternidade, o reconhecimento do outro, da família, o próximo mais próximo, e então os demais. Tal é a natureza do trabalho e da vida com Deus.