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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

O olho do Ciclope

                     

                             Foto: public domain

Por: Antonio Mata 

Se espreguiçar, comer alguma coisa, se acomodar para receber o sol da manhã. Domingo preguiçoso, até às nove horas, depois fica muito quente.
 
Todos aproveitam o frescor agradável da manhã, enquanto combinam o que farão pelo resto do dia. uma vida e tanto para todos. Todos menos nós.
 
Não importava se era segunda-feira, terça, sábado ou domingo. Passaram a vigiar todos os passos. A sensação de estar sendo observado, acompanhado é algo impressionante. Por mais que se queira esquecer e não prestar atenção, é o mesmo que nada.
 
De antemão, já se sabe, não vai sumir nem vai sair dali. Não para de olhar, parece que tem satisfação em tirar o sossego dos outros, justamente em um dia tão azul.
 
Juntaram-se para o banho de sol, e lá estava ele, o intruso dando expediente, até o sol se pôr.
Decidiram acabar com aquilo, o gigante, o Ciclope, o olho redondo.
 
Reunidos, expuseram suas preocupações e soluções. O plano concebido para enfrentar o intruso consistia em reunir os quatro dentre os mais fortes e corajosos. Estes iriam até lá e saber do intruso o que pretendia observando a todos, por todo o dia, a ponto dos demais se assustarem e irem embora, abandonando o lugar.
 
— Você que é o mais aborrecido e intrigado com esse negócio, já  pode ir na frente.
 
— Eu não vou não. Vá você que é mais raivoso e vive praguejando. Vai até lá e acerta ele.
 
— Sou mesmo e não escondo! Só que tem que ser um recado duro, que é para não esquecer nunca mais! O corpulento aqui não sou eu. É esse aqui do lado.
 
— Estou vendo a covardia chegar e a valentia passar. Isto nem me impressiona. Não é um sujeito grande de um olho só que vai me fazer sair daqui.
 
— Não é para sair, é para ir até lá, e de preferência dar uma lição nele. Vá até lá, vá de uma vez!
 
— Tá achando que sou covarde igual a vocês? Está para nascer monstro de um olho só que me meta medo.
 
— Então vá de uma vez!
 
— Eu vou, eu vou sim, bando de amarelos. Só que depois, vou querer conversar com cada um de vocês. Esperem aqui que eu vou voltar.
 
— Êpa! Que história é essa? Viemos aqui para enfrentar esse intrujão, e não para ficar brigando entre nós!
 
E completou, advertindo aos mais mascarados:
 
— Olha só ali atrás. Estão esperando para ver o que vai acontecer.
 
Buscaram mais adiante com o olhar e lá estava mais de uma centena de cabeças. Atentas, ligadas, quase que em transe. Queriam saber no que é que aquela história iria dar. Se haveria solução para enfrentar o intrujão, ou não.
 
Um dos mais corajosos havia dito que acertaria o intrometido de um olho só, bem no meio do seu único olho, liquidando de uma vez com aquela situação.
 
Agora, do outro lado da rua, aguardavam, em suspense, o cumprimento de suas palavras.
Sob os olhos da multidão, e para não fazer feio, muniu-se de coragem, encarou o Ciclope mais uma vez e..., mal saiu do lugar.
 
Ficou ali, semiparalisado, entre um passo adiante e o segundo que não sai. Bem que a cabeça dele dizia “avance”. Só que as pernas insistiam com aquele “peraí”.
 
Vendo que a história toda estava degenerando para um circo mambembe, foi o desaforado que resolveu decidir de uma vez.
 
— Vamos acabar com essa palhaçada! Vamos nós quatro! Vamos para cima dele, acabou a brincadeira!
 
Com caras de mau, capazes de assustar até as crianças, rosnavam mais que vira-lata acuado. Os quatro avançaram ferozes, com o sangue diluído em adrenalina, pois reputações adquiridas a duras penas estavam à prova e poderiam muito bem sair dali humilhados.
 
O gigante balançava seu olho e um lado para o outro. Partiram para cima do monstro, por gigante e perigoso que fosse.
 
Desaforado gritava: “cai dentro, cai dentro!”
Avançavam decididos e furiosos, quando de repente, uma nuvem se afastou deixando o sol brilhar.
 
Foi instantâneo.
 
O olho do Ciclope, a luz intensa e concentrada parecia um raio medonho e inesperado que atordoou a todos. Pegos de surpresa e desnorteados com a reação imprevista, bateram em retirada como um bando de meninos assustados.
 
Do outro lado da rua, vendo aquilo, alguém gritou:
 
— Corre gente, corre! O Ciclope vai dar um pau nos valentes! Corre!
 
Todos bateram em retirada dando a causa por perdida. Seus maiorais haviam acabado de ser enxotados dali por aquele raio infernal, saído de um olho só. Era o fim.
 
Os céus se encheram de asas batendo nas pontas umas das outras, com penas assustadas se espalhando pela rua. A revoada medrosa e sem direção mostrava para quem quisesse ver que ali já não era mais um lugar seguro para pombos. Conversas, ovos, sobrevoos, pisoteio pelos telhados e arrulhos, não mais. Agora  teriam que partir para outro lugar.
 
Na casa, logo abaixo daquele telhado, dois vizinhos conversavam.
 
— E aí João, aquela história de colocar CDs perto do telhado deu mesmo certo?
 
— Deu sim, vou colocar mais uns dois ou três nas pontas só para ter para ter certeza. Notei que agora ficam do outro lado da rua. Minha calçada agora vai permanecer limpa e a Isaura vai parar de reclamar da roupa suja no varal.
 
                                             FIM

 

 

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