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Boa noite Banzé

                                            

                                                                                                                                    Foto: Marcus Benedix.

 

Por: Antonio Mata

Era fim de semana, fazia um sol bonito e Anita, uma menina de dez anos havia pedido de sua mãe para passar o sábado e domingo na casa da vovó Maura, que já era viúva e vivia só. Só é apenas uma maneira de dizer, pois, ficava na companhia de sete cães, os quais considerava como seus filhos, e que por vez retribuíam a gratidão com sorrisos, afagos, fungadas e latidos.

Anita adorava a ideia ,pois, criada em um apartamento, seus pais não queriam saber de cachorro dentro do pequeno espaço a ser compartilhado por todos. Assim, os passeios na casa da vovó Maura eram sempre muito aguardados e muito bem-vindos. Anita, da altura de seus dez anos envolvia tudo com muita fantasia e expectativa. Na sexta-feira já começava a fazer seus planos e preparativos.

Juntava ela mesma, algumas peças de roupas, brinquedos e um caderninho de anotações em uma mochila; sem esquecer biscoitos para cães e alguns ossinhos de couro que os cães adoravam. Era o momento de rever o Bobby; o mais querido de todos. Aquele que mais prendia a sua atenção. Bobby era um cãozinho Pinscher, preto, barulhento, serelepe, escandaloso e detestado pelos vizinhos; mas amado por Anita.

Como os cenários da vida são mutantes, por mais que os vizinhos se importunassem com o Bobby, havia algo que não podiam ignorar. Se de um lado, Bobby adorava um colo amigo, do outro, Anita apaixonada pelo Bobby vivia com ele no colo, de um canto para o outro. Foi assim, logo puderam notar como se conquistava aquele fim de semana de abençoado silêncio. A menina tinha um jeito de lidar com o cãozinho, que os adultos não conseguiam copiar.

Por mais que o Bobby fosse o favorito, havia também o Faro, um cão Chow-Chow, cor de caramelo. Apreciado por dona Maura por conta de sua bela pelagem. O problema é que por mais que dona Maura se preocupasse em mandá-lo para a tosa, tão logo percebesse, Faro dava um jeito de fugir para uma mata próxima. Quando voltava era um desastre; trazia o pelo todo embolado e cheio de carrapichos.   

Já o Parrumba era um vira-lata idoso tricolor que passava o dia deitado na varanda da casa, pois, sentia muitas dores ao se deslocar. Parrumba havia chegado antes de Anita nascer e foi o cão de guarda do lugar por muito tempo. Diferentemente dos outros cães, era temperamental e Anita evitava mexer com ele e brigava com o Bobby para que não o perturbasse com suas brincadeiras, das quais Parrumba tinha ojeriza. O dia que conseguir pegar o ágil Bobby com os dentes, vai ser uma vez só. Bobby era abusado e não entendia o risco que estava correndo brincando com o Parrumba.

Quando chegou na casa de dona Maura, Parrumba já tinha quatro anos. Era o cachorro de um conhecido de uma prima, de uma senhora amiga da dona Maura que havia ficado desempregado e que resolveu ir embora da cidade. Como Parrumba era só um vira-lata, chegou à conclusão de que não valeria a pena levá-lo com a família. Ao raiar do dia, pouco antes de partir de vez, passou na casa da dona Maura e amarrou o Parrumba no portão da casa dela.

Foi acidentalmente dedurado por uma vizinha que fazia caminhada e o viu prendendo o cachorro junto do portão. Acreditou que o homem estivesse devolvendo o cachorro, e que por ser muito cedo, ou estar com muita pressa; não quis acordar Maura. Ela por vez, era muito carinhosa com os animais, mas abominava estes acintes humanos. O fato é que acabou adotando mais um cachorro, fosse por compaixão do animal, fosse por precisar de um cão para ficar no quintal. Assim Parrumba obteve uma nova tutora e um novo lar. Maura cuidaria dele pelo resto de sua vida e sua casa seria a sua moradia permanente.

Com o tempo vieram outros quatro cães. Tais como o Erick, um Cock Spaniel de meia idade e pelos dourados; Paloma, uma cadela Labrador Retrievers, chocolate; Bara, outra cadela mestiça e bicolor, além de Bora, outra mestiça de cor preta e peito branco. Assim se completava o plantel confuso de dona Maura que, na verdade, por pura compaixão os recolhia nas ruas da cidade. Com exceção de Bobby e Paloma, que eram aquisições próprias, pois, dona Maura sempre gostou de ter cães em casa.

Certa feita Anita estava na copa, pois, era hora do lanche da tarde, e viu passar de relance um cão de pelos castanhos, que entrou pela porta da cozinha e se dirigiu à sala. Em princípio não ligou, mas logo se deu conta que não era nem o Erick, nem o Faro. Era um cachorro diferente. Foi procurar por ele na sala, mas não o encontrou. Chegou a comentar com a vovó, que entendeu se tratar dos outros dois, muito embora Anita dissesse que não.

Em outra ocasião, Anita estava no quarto onde ela dormia com a avó pegando algumas coisas para ela, e havia deixado a porta aberta. De repente o cachorro castanho entrou, olhou tudo, circulou pelo quarto e depois saiu. Mais uma vez Anita resolveu segui-lo, mas; ao sair no corredor de acesso aos quartos, ele já não estava lá, nem mais adiante. Apanhou as coisas para sua avó e foi até onde ela estava tendo relatado tudo o que viu.

Vovó Maura então pediu à menina que descrevesse o animal que tinha visto há pouco. E Anita descreveu um cão de pelos curtos de cor de castanha, maior que o Faro, com a ponta do rabo de cor branca, tranquilo e que não a assustava, e nem sentia medo daquele animal que aparecia e desaparecia. Pensava que estava passeando, ou simplesmente circulando pela casa. Como se conhecesse todo mundo e fosse um dos animais da casa. Até porque, o Faro, por exemplo, também era capaz de vê-lo.

Dona Maura então asseverou. Quem você viu foi Banzé. Era um vira-lata que eu havia recolhido da rua e que depois se perdeu. Mais recentemente ele deve ter achado o caminho de casa e então voltou. Da primeira vez ficou comigo uns dois anos, antes de sair e provavelmente se perder, caso contrário teria voltado. Da segunda vez ficou comigo por mais de um ano. Havia chegado muito fraco, muito magro, cheio de sarnas e feridas pelo corpo.

Foi um tempo de muito trabalho, de muito esforço, até que conseguiu se recuperar. Ganhou peso, recuperou a pelagem e voltou a sorrir. Infelizmente, você Anita não pôde ter muito contato com ele, pois sua mãe quando o viu, o achou horrível e não queria que você se aproximasse. Ele ficava preso no fundo do quintal, onde acabava pulando o muro e fugia. Ele fugiu várias vezes. Tinha esse costume  horrível de fugir; mesmo que eu o deixasse solto no quintal. O fato é que em pouco mais de um mês aconteceu um acidente.

Alguém abriu o portão e quase todos os cães foram para a rua, pois ficavam soltos. Um caminhão que passava naquele momento, bateu no Parrumba. Dei um grito pensando no que poderia ter acontecido, mas estava só prestando atenção nele, o Parrumba, que era o cachorro que eu estava vendo naquele momento. Pensei que tinha sido só isso. Só depois é que vi, do outro lado do caminhão, o Banzé no chão. Ele morreu no local. Na correria dos cães para chegar na rua não devem ter prestado atenção no movimento dos carros, que nem é tão grande, mas havia aquele caminhão.

Anita agora sabia quem era o Banzé. Sentida e tristonha pelo ocorrido, nem pôde prestar atenção no cão sentado ao lado da vovó. A noite chegou, Anita e vovó se recolheram ao quarto. Dona Maura estava cansada com a trabalheira junto a seus cães, além do que tinha resolvido mexer no jardim, a sua segunda paixão. Deitou-se e rapidamente adormeceu.

Anita estava no banheiro ao lado escovando os dentes. Ao voltar para o quarto pode ver o Banzé enrolado e dormindo ao lado da cama de sua benfeitora. Chegou até perto do Banzé, lhe deu boa noite, apagou a luz do abajur que estava próximo, foi se deitar do outro lado da cama e logo adormeceu. Agora sabia que estavam todos juntos.

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