Por: Antonio Mata
Cresceram assim, de qualquer jeito mesmo. Daí a expressão popular, pinto solto no lixo. Muito pouco ligariam para isso. No lixo ou não, o terreiro era só uma referência para indicar, está em casa, está fora de casa.
Se acostumaram assim e eram fiéis à ordem das coisas. Contavam ainda com o apoio de dona Carminha, sempre disposta a estender a vida de sua dúzia de frangos e galinhas.
Uma questão da qual seus familiares faziam troça. Não se pode se afeiçoar a animais de quintal, arrisca ficar com fome e ainda precisa alimentar o bicho, lhe diziam.
Avisavam para não cair na asneira de dar nome aos frangos. Carminha não se importava e seguia adiante com seus bichos. Os mais queridos de seus bichos acabavam recebendo nome. Tinha Joãozinho, Filó e Mariquinha. O maior galo do terreiro e suas frangas, escolhidas por ele mesmo.
O roçado de mandioca havia crescido o suficiente. Então, na companhia de seu filho, acordaram cedo e dirigiram-se ao roçado para fazer a colheita, o mais rápido possível. Foi na manhã de uma quinta-feira comum, que a coisa aconteceu.
Joãozinho ciscava distraidamente à cata de lagartas, formigas, moscas e grilos, para completar os poucos grãos deixados por Carminha e já disputados pelo resto de moradores do quintal. Quando, de repente, ouviu um zumbido.
Zum!
O galo levantou a cabeça e não viu nada. Achou de prestar mais atenção. Por via das dúvidas, resolveu alertar os demais.
— Có, có, có, ... Có, có, có. Um som pausado a média altura. O suficiente para chamar a atenção dos demais.
Retornaram a ciscar no quintal, até que, mais uma vez. Zum!
Com um olho no terreiro e outro observando ao redor, Joãozinho foi o primeiro a notar a repetição do súbito zumbido. Tratou de levar adiante sua preocupação, com um novo som.
— Cooooó, có, có, có. Cooooó, có, có, có...
Naquele momento, todos pararam o que estavam fazendo até ali, e olhavam, meio frenéticos, para todos os lados. Havia um silêncio nervoso no ar. Joãozinho não teria passado aquele alerta, sem mais e nem menos. Tinha de haver alguma coisa.
Foi quando divisaram um vulto por entre as moitas, já na outra extremidade do caminho para a floresta. A meio caminho da casa. Não era só ali que avistaram algo. Na lateral da casa também.
Um bólido acerta uma folha a um centímetro da cabeça de Joãozinho. Não precisa de mais nada.
— Có, có, có, có, có, có...
Em alto e bom som, o alerta é disparado. Como o tocar de uma sirene que todos já conhecem. A rota de fuga era uma só. Ao sinal do atento e corajoso galinho, o bando sai em frenética disparada na direção da floresta.
Precipitação, desatenção, perturbação. Quem é que vai saber? Vida de frango é complicada. Poderia se imaginar que são ariscos e velozes, em nome de sua sobrevivência.
Está correto, é isso mesmo. Mas, por que cargas d’água correram na direção dos disparos? Isso, somente uma galinha ou um galo poderiam realmente explicar.
A correria se deu bem na frente dos atiradores. Estes, por vez, já estavam acostumados e perturbar as galinhas na ausência de Carminha. Sendo assim, todos os envolvidos sabiam o que estavam fazendo.
Estavam caçando as galinhas de Carminha, dentro do seu próprio quintal. Para tal, aproveitavam-se ardilosamente, da ausência da dona da casa. Os frangos passavam por debaixo das pernas dos caçadores, com uma velocidade enorme. Por mais que tentassem, não conseguiam detê-los.
A caçada improvisada não deu em nada. Aliás, nunca dava.
Ao fim da tarde, pouco antes do anoitecer, dona Carminha e seu filho retornaram do roçado, após um dia inteiro de trabalho extenuante. As raízes de mandioca haviam sido colhidas, assim como pequena parte das abóboras.
A despeito da dificuldade, não trabalhavam sozinhos. Havia a participação de outras mulheres da vila. Ao final, com o fabrico da farinha e da goma, todos seriam beneficiados. Além do que, através do escambo, poderiam obter outros produtos necessários à vida naquelas paragens.
Ao observar a ausência de sua criação, Carminha os chama de volta. Ao chamado da mulher, a bicharada deixa seus esconderijos na mata e retornam para casa. Aquele chamado significava, também, o retorno à segurança.
Afinal, o que sucedeu com os aqueles caçadores de galinhas no quintal dos outros? Ora, o de sempre, nada.
Nem que dona Carminha passasse três ou mais dias fora de casa. Diante do perigo, as galinhas e Joãozinho se meteriam no mato e só sairiam de lá, mediante o seu chamado. Bobagem era esperar por eles. E da parte dos ladrões de araque, entrar no mato, outra descabida idiotice.
Não era de hoje que Alcebíades e Josias, dois vagabundos da vila, muito pouco interessados em trabalhar, tentavam pegar as galinhas de Carminha. A ponto dos animais já os conhecer. Assim, ficavam aguardando pelos dois idiotas. Na realidade, homens que não podiam ver álcool, dois alcoólatras.
Os dois, cheios da maldita e munidos de baladeiras, bastava dona Carminha e seu filho se afastarem, logo se apresentavam para interceptar as galinhas. Trabalho inútil esse.
Bêbados, mal podendo ficar de pé, não enxergavam direito os animais. Estes se apresentavam duplamente em suas vistas tomadas pelo álcool, o que dificultava mais ainda seu intento.
Até o dia em que os próprios moradores do lugar, tomaram conhecimento das coisas. O grito na vila era no sentido de colocarem os dois caçadores de galinhas para correr dali. O que restabelecia o sossego no terreiro e acabaria por encerrar a história.
Foi Carminha quem se apiedou dos alcoólatras e insistiu em obter tratamento para os dois. Afinal, nunca conseguiram pegar uma galinha sequer. Desistiram de expulsar os dois homens e a história só prestou para ingressar no folclore local. A história dos ladrões de galinha que nunca pegavam nada.