Por: Antonio Mata
Os pássaros fazendo círculos no céu limpo de poucas nuvens, passavam sobre suas cabeças. O ar fresco das primeiras horas da manhã, ainda trazia o cheiro de mato. Tudo estava no seu lugar. Só destoava o burro.
Logo à direita, podia ver plantações, entremeadas pelas trilhas de acesso. Conhecia bem aqueles caminhos, em linha reta. Onde se entra de jacá vazio e se volta com ele tomado.
Foi só até aparecer uma carroça. Para receber mais carga, em menos viagens, até se completar a colheita. Estava tudo certo. Só destoava o burro.
Virou a cabeça para a esquerda, onde podia ver o gado sossegadamente pastando ou debaixo das árvores do lugar. Outros se refrescavam em córrego próximo. Ver aquilo dava sede. Mas, não iriam parar. Contudo, as coisas pareciam estar como de costume. Só destoava o burro.
Olhando mais adiante a estrada fazia ligeiro declive no terreno e então, abria uma curva que escondia das vistas sua continuação por entre os arbustos.
Estrada de terra de muitas histórias. De quem chegou e de quem se foi. Deixando somente as marcas nos sulcos ao meio. Nem melhor, nem pior que estrada qualquer. Só destoava o burro.
Pressionado e agoniado com a situação. Com a dor nas pernas e já cedendo ao peso, o burro começou a zurrar.
— Inhóóó, inhóóó, inhóóó...
— Ei vô, ei vô! A gente tem que fazer alguma coisa vô!
— Eu sei. Cala a boca burro!
— Não vô, eu tô cansado, mas ele tá desesperado!
— É só ele calar a boca, animal idiota. Cala a boca burro!
Quanto mais o velho gritava, mais alto o burro relinchava.
— Inhóóó, inhóóó, inhóóó...
Algumas pessoas que passavam na altura da curva da estrada, ao verem aquele trio bizarro descendo, se puseram a falar.
— Meu Deus do céu, olha que gente mais louca!
— Ficou doido velho? Você perdeu o juízo?
— Larga isso menino, esse velho é doido!
Ao ouvir aquilo, o velho largou o pau onde prendera as patas do burro, que estava de cabeça para baixo e agonizava com a dor, sob o próprio peso. O bicho caiu ao chão. Para a salvação também do menino.
Catou pedras na beira da estrada e atirava nos passantes, entre insultos e ofensas, cuspidos o tempo todo.
— Gente do cão, gente do cão! Seus filhos..., é isso que vocês são! Some daqui! Some daqui!
Puseram-se a correr dali debaixo das pedradas e dos insultos do velho doido. Este, ao se ver só, sentou na beira da estrada, junto aos arbustos. Abaixou-se esbaforido e visivelmente perturbado. Pôs as mãos por sobre a cabeça e ali ficou em silêncio.
O menino, soltou calmamente as patas do burro. Este, se colocou de pé e aliviado. Ficando parado ali mesmo.
Vai até seu avô, abaixa-se, pega-o pelos braços.
— Vem vô, vem comigo. Cê tá cansado de verdade.
Colocou o velho sobre o burro. Tomou as rédeas e prosseguiu.
Uma pessoa que passava por ali, viu o velho arqueado e cabisbaixo sobre o burro. Olhou para o menino, que puxava o animal, sem dizer palavra. Seguiu seu caminho, enquanto o menino levava seu avô para casa. Esopo tinha razão.