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Por: Antonio Mata
Os ventos de norte-nordeste sopravam intensamente. Faziam a alegria dos amantes do windsurf e também dos ilhéus. Com o verão tornando-se o grande atrativo do lugar, a família montou um restaurante, muito conhecido e frequentado.
Fosse por conta dos sucessivos avisos na mídia, fosse por se tratar de expectativa antiga, Jonas sabia que as coisas poderiam se complicar de repente. Descrente e sem interesse em tais questões, não estava disposto a deixar seu pedaço de terra no canto africano do Atlântico, só por causa de algo que insistia em dar sinal de vida. Mesmo que fosse um vulcão.
O ilhéu não tinha nada de anormal nem de louco. Muito menos seu comportamento possuía algo de incomum. Quando Nova Orleans foi atingida por um furacão em 2005, o Serviço Geológico dos EUA, vários anos antes, emitiu aviso de que o aumento da coluna d'água diante da cidade poderia favorecer a manutenção e penetração de um furacão. Ninguém levou a sério. Em agosto de 2005, mais de 1800 pessoas perderam suas vidas com a chegada do furacão.
Já a fumarola do Cumbre Vieja, vapor superaquecido, sempre esteve lá no mesmo lugar, fumegando de vez em quando. Via aquilo no céu desde criança. O mesmo que seus pais e seus avós.
Ramires, seu primo o procurou, meio silencioso, mas queria sentar-se e conversar.
— Preciso lhe contar uma coisa. Algo que aconteceu e fiquei sem entender direito. Só não quero guardar comigo.
— Pois bem, conta logo. Sabe como é, fim de semana o movimento é grande. E isso não demora.
— Só me ouve. Isto chegou como um sonho. O que me impressionou foi a clareza, a realidade. — Parou por um instante, e então prosseguiu, em meia voz, como quem conta um segredo.
— Estava de pé, olhando para o Cumbre Vieja. Era fim de tarde, o sol estava se pondo. A fumarola estava lá, como já vimos antes. De repente tornou-se um jato esbranquiçado, mas por pouco tempo. Logo a seguir começou a sair uma fumaça preta. Tomei um grande susto e procurei correr dali. Olhei em volta e vi mais gente correndo.
Jonas, entre a surpresa e a descrença, ouvia o relato de seu primo. Afinal, Ramires apenas contava um sonho. É assim, as pessoas sonham. Até com vulcões. Ramires prosseguia.
— Por alguns instantes pensei como faria para sair dali, e então me virei. Foi quando pude ver estarrecido. A explosão coloriu o céu de riscos e manchas vermelhas e amarelas, em meio a fumaça enegrecida. As pessoas começaram a gritar. Foi quando entendi que não havia mais nada para se fazer.
— Foi este o seu sonho? Que coisa, hein?
Não demorou muito para Ramires entender que Jonas, muito pouco ou nada, havia se importado com o seu relato. Levantou-se e deixou o lugar sem dizer mais nada. Logo após Jonas fez o mesmo, indo cuidar de seu restaurante.
O fim de semana passou sem maiores incidentes. Jonas com a casa cheia de clientes, não lembrava mais do relato do primo. As semanas avançaram sem novidades no arquipélago.
Até que o cenário em La Palma começou a sofrer modificações. O Cumbre Vieja entrou em atividade e erupcionou, como não acontecia há muito tempo.
As autoridades buscavam conduzir a situação evitando situações de pânico. Conviviam com a presença do vulcão. Mesmo assim foi preciso deslocar cerca de sete mil pessoas. Mais de 1600 construções foram destruídas ou encobertas por lava vulcânica.
No meio da noite, Jonas observava o espetáculo, tão dantesco quanto belo. A erupção não havia alcançado seu restaurante e sua casa, o que achava ótimo. Viu ao seu lado, Ramires, que naquele momento deixara de prestar atenção no vulcão e olhava para o primo, como que a indagar algo.
— Sossega Ramires. Você não está vendo? Não está chegando até aqui. Não sou nenhum trouxa. Tenho acompanhado os avisos do governo. Está aliviando a atividade. No final felicitou o primo.
— Eu entendi, você quis me avisar. Sendo assim, sem dúvida o seu sonho foi bem real. Você acertou.
— Não estou preocupado em ter acertado ou não. Só acho que não devemos brincar com esse vulcão. O que vi foi uma explosão e as pessoas correndo. Aqui ainda não houve uma explosão. Também não vou ficar aqui para esperar. Estou indo embora amanhã.
É bem verdade que Jonas lamentou a partida do primo. Em 42 anos juntos, assistiram muita coisa desde a infância. Batizados, aniversários, casamentos e funerais. Só não concordava com a precipitação de Ramires. Ficou satisfeito quando soube que não havia colocado sua casa à venda. De qualquer modo, quem iria comprá-la naquele momento, com aquela história toda de vulcão, lava e erupções correndo o mundo?
Em menos de um mês, a vida já havia assumido o caminho da normalidade. Menos da parte daqueles que perderam suas habitações e ainda estavam assentados provisoriamente. Tinha fechado o restaurante. Seguiu até em casa para um banho rápido. Tornou a sair e estava na rua observando o velho barulhento, quando finalmente aconteceu.
A explosão avermelhou todo o céu seguido de um barulho ensurdecedor. Os blocos flamejantes enormes, do tamanho de automóveis, caíam por sobre a cidade como se fosse um bombardeio aéreo, sem avisar, sem abrigo, sem proteção. Atingiu a todos indistintamente, cobriu toda a ilha.
Jonas lembrou finalmente do sonho de seu primo? Não fez a menor questão? Ainda estava preocupado com o seu restaurante? Que importa? Não há como saber. O Cumbre Vieja fez o que sempre avisou que seria a sua destinação.