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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Charlito

                                                        

                                                                                                                          Imagem: Public Domain - Kirk F.

Por: Antonio Mata.

Acomodou-se à mesa. Café e leite como de costume, logo ao nascer do sol. Pão francês e manteiga com castanhas picadas. Quase sempre assim. Remexia depois, qualquer coisa no celular.

Então, levantou-se e foi escovar os dentes. Se vestiu, veio coçar minha cabeça, saindo em seguida.

“Já nem olho mais e acho que nem precisa. Está tudo gravado já faz bastante tempo.”

“Eu estava sonhando, assistindo, imaginando? Não faz diferença quando a história insiste em ser sempre igual. Como agora, é só passar o resto da manhã dormindo, tanto faz.”

Contudo, Charlito estranhou aquilo. Fosse por cima da estante ou mesmo do paneleiro, dessa vez algo se apresentou fora do habitual. Peça que não estava onde era para estar.

Ora, sendo assim, não estava dormindo. Podia estar só dormitando. Aquele momento em que não se está nem de um jeito, nem de outro.

“Pouca miséria, agora só abrindo os olhos.”

A Peça fora do lugar, era a respiração de Doralina, que se apresentava ligeiramente ofegante. O suficiente para trazer Charlito de volta da casa de Orfeu. Ledo engano acreditar que seja distraído. Dormia em vigilância.

“Era só o que faltava. O cara de fumaça preta voltou. Não apaga, não queima nem pega fogo de vez. Qualquer dia desses resolve morar por aqui. Ela não gosta dele, vem sem ninguém pedir”

Cara de fumaça fazia o de costume. O mesmo de sempre. Enchia a mulher com seus miasmas enegrecidos, intoxicando seu organismo a ponto de a mulher ficar sem ar e enfraquecida, quando então se afastava.

Charlito, o gato vira-lata do pelo falhado, causado por água fervente, achado na rua e posto em casa pelas mãos de Doralina. Havia se tornado seu inseparável animal de companhia. Seu companheiro mais fiel.

Antes que sua dona deixasse a casa, o gato saltou de cima do paneleiro da cozinha, foi até ela. Ronronando e se esfregando em suas pernas. Foi quando ela tocou em sua cabeça. Tais movimentos, de um e de outro, foram mais que o suficiente.

Ficou de pé, meio que paralisado no meio da cozinha, enquanto ela saía e fechava a porta da sala. O vira-lata do pelo falhado sentia vontade de sair dali. Virou-se na direção da portinhola da porta da cozinha, e não sem dificuldade, saiu e desapareceu.

Perto do anoitecer, quando sua dona retornou, já estava em sua posição de prontidão. Não dava o menor sinal de que algo ruim tivesse acontecido. De cima da estante da sala, apenas parecia dormir e nada de mais.

De fato, dormia sobre a estante e pôde enxergar o cara de fumaça rondando a casa mais uma vez. Bastou perceber sua entrada e abriu os olhos, sem ter de resmungar.

Sua dona, sentada na poltrona da sala, nada via ou percebia. Do jeito que o cara de fumaça gostava. Colocou-se mais uma vez, por de trás da mulher e tornou a lhe transmitir, com as duas mãos, as cargas enegrecidas e tóxicas.

Mais uma vez a mulher sentiu o impacto das energias negras e lamentou seu mal-estar. O ser de fumaça se afastou sem dizer palavra, com o bichano repetindo sua ação já executada pela manhã. Desceu da estante, esfregou-se nas pernas de Doralina, capturou o veneno invisível e se afastou.

Enquanto ela se acomodava, sem chamar a atenção, o animal se dirigiu à cozinha, saindo pela portinhola. Dali, tornou a desaparecer, sem que a mulher se desse conta. Saiu e novamente foi liberar longe, os miasmas direcionados à sua benfeitora.

Esse vai e vem invisível e quase imperceptível, pois somente o animal aparece, durou um mês, um ano, dez anos? O cara de fumaça desistiu e foi embora de vez? Doralina cedeu espaço à intoxicação fluídica e adoeceu finalmente?

Pelos lares do mundo afora, aconteceu de tudo um pouco. Alguns gatos venceram este embate pernicioso e até morreram de velho. Outros foram abandonados e esquecidos por seus donos.

O que se pode dizer de concreto, é que enquanto estes animais tiveram forças e saúde para servir a seus donos, não permitiram que estes fossem atacados por entidades malévolas, que, invisíveis, atuavam a partir do outro lado da vida.

Tenha respeito e gratidão pelo seu bichano. Mais que um bichinho de estimação, ele pode ser, mais exatamente, o seu guardião. 

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