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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Cinzento tricolor

                                                                       

                                                                                                                                                     Foto: Gustavo Xavier

Por: Antonio Mata

Peludo, fofo, engraçadinho e bonito. Poderia ter sido seu desejo que não chegou a ser atendido. Não deveria ter características que justificassem maiores cuidados e atenções, pois isto poderia comprometer o seu real propósito. Aliás, tudo na vida tem um propósito e uma finalidade.

Não adianta querer ser peludo, pois poderá muito bem acontecer, e com enorme frequência acontece, de não chegar a receber cuidado algum. Poderia se encher de carrapichos, ficar todo embaraçado e virar um chumaço de pulgas que anda.

A ideia de fofura simplesmente se perderia. Se tornaria espécie de Gremlin que foi molhado e agora está pronto para ser tratado aos pontapés.

Engraçadinho, pode ser, vai da sensibilidade de quem simpatiza com o bichano. Bonito, idem, quem gosta de gatos, e muita gente gosta, vai ver beleza de algum modo.

Pronto, já é o suficiente para o vira-lata magrelo e tricolor cinzento poder estar junto dos homens, o suficiente para fazer valer o seu lugar no mundo.

Não demorou muito e o sossego da casa naquela noite se transformou. Chegou trocando os passos, lá por volta das duas,  fazendo barulho na porta na tentativa de pôr a chave na fechadura. A cada tentativa frustrada uma imprecação.

Lá pela vigésima, deu certo. Invadiu a sala como um boi no escuro, com os chifres se prendendo nas coisas ao redor. Enfiou os cascos por debaixo do tapete, tropeçou e meteu a cara no chão.

Outra saraivada de palavrões, tão sonoros quanto inúteis, pois não vai aparecer ninguém. A paciência com aquilo já havia se acabado há tempos.

Ao fim das contas, foi dormir ali mesmo no chão. Lá pelas três, alguém apareceu, mas era só para fazer xixi. Depois aproveitou o fato de passar pela sala, contornou aquele corpo sobre o tapete  e foi trancar a porta, que ainda se encontrava aberta.

O vira-lata se aproximou do sujeito grande e gordo estirado no chão, e sentiu o cheiro azedo de suor e álcool.

Em questão de segundos, sofreu uma espécie de derrame, na falta de descrição melhor. Começou a contorcer o corpo magro, parecendo um bicho que acabou de ser atropelado, se afastando da cena do acidente.

Não foi sem dificuldade que saltou por cima de um velho gaveteiro, alcançando o basculante que dava passagem para a área de serviço da casa. Buscou os fundos do quintal e sumiu na escuridão.

Dali a algum tempo, retornou para dentro da casa, encolheu-se no canto da cozinha e foi tratar de dormir.

Gatos já foram utilizados para fazer tamborins, churrasco no espeto, além de todo tipo de maldades que os homens são capazes de produzir por cima daqueles que lhes são mais fracos.

O que não se observou, foi a sua capacidade fantástica de absorver as energias negativadas que possam estar com uma pessoa, ou em um ambiente.

São excelentes animais de assepsia para os lares humanos, ambientes estes tomados que são de toda sorte de vibrações desmazeladas que os seres humanos, perturbados como são, costumam trazer para dentro de suas casas.

Da próxima vez que vir um bichano, pense duas vezes antes de lhe dar chutes ou jogar pedras.

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