Por: Antonio Mata.
A visada alta não era à toa, ajudava e muito. Se acostumaram com aquilo de tal forma que era algo comum, do dia a dia. As gerações se apresentavam e se faziam tudo muito igual e repetitivo. Não fosse por um detalhe. Aquele ali no alto, o observador. Se não prestar atenção nele, não percebe e põe tudo na mesmice habitual.
Já era dia claro e desimpedido. Nas ruas, muita gente de um lado para outro. Imóvel e alheio, só observava. O movimento cessava e a calmaria retornava às ruas.
Silencioso e ausente, lá continuava. O dia passou, a tarde chegou e logo todos se recolhiam. No dia seguinte, era o mesmo. Lá do alto, aquela sensação de quem não ligava para nada e nada ligava para ninguém. Nem na chuva.
— Você não se cansa de ficar aí em cima parado? — Perguntou-lhe um pombo mais atento.
Desdenhoso e desinteressado pela conversa, ainda assim respondeu.
— Aqui não aparece jiboia nem tem sucuri - Aliás, é bem verdade que aí embaixo, também não. Vou ficar por aqui mesmo. Daqui eu vejo tudo. — O poste da rede elétrica era seu posto elevado de observação de toda a rua.
— Sobrevoando você veria mais coisas. Teria um alcance de visão muito maior. Não esqueça que aí por perto costuma aparecer muita comida.
— Eu sei disso. Aliás, sei de coisas que um pombo comedor de grãos e farelos, como você, não sabe.
O pombo achou aquele comportamento estranho demais. Ainda assim, insistiu.
- Ora, você não viu aquele cão atropelado? Aquele da outra rua. Sempre aparecem alguns.
O urubu rei, mesmo incomodado, respondeu.
- Veja se encontra um bicho qualquer ou um daqueles que chamam de abutres. Os comedores de todo tipo de carniça. Eu mesmo não preciso mais.
- Ora, não entendi, mas você também não é um urubu?
Então, o vigilante urubu contou o seu segredo.
- Fim de semana essa gente aqui da rua, gosta de fazer churrasco. Para os demais dias descobri uma casa no início da rua, onde gostam de fazer bifes à milanesa. Sobra muito e por isso jogam fora. Há anos que vejo os cães rasgando sacos.
- E como você faz?
- Muito simples, como observo tudo, chego lá antes dos cães. Ao invés de rasgar o saco por baixo, rasgo por cima e apanho os bifes. Quando chegam, já não tem mais nada.
- Então, parou de procurar carniça?
- Carniça? Sou um bicho solto e já escolhi o meu bairro e a minha rua. Sou um morador da cidade.