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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Colóquios

Por: Antonio Mata

Penumbra da manhã, do céu fechado, mal passando o sol. Roseirais floridos se embalavam lentamente, desinteressados do resto. Nada para reclamar de tão apreciados que são. O bucólico ar úmido lhes convém.

Ao vê-lo passar tão suave e silencioso, achou por bem perguntar.

— Vejo que estás preguiçoso hoje, nesse quase nada. Cansou-se foi? Mal tocou nos roseirais.

Momento de se ouvir até as moscas, até se predispor a responder.

— A cada qual, aquilo que merece e precisa. Do jeito certo, na hora certa. Não há conflitos.

— Acho que entendi. Porém, veja o nosso caso. Se quiséssemos, bastaria uma concentração um pouco maior e encharcaríamos todo esse campo, incluindo aí todas as roseiras.

— Sim, entretanto, fariam isso por obedecer a um comando. Você não pode oferecer suas chuvas onde quer.

— Você também não pode.

— Nem preciso, sopro onde há necessidade.

— Me dê alguns pássaros e algum tempo. Basta molhar a terra e farei a floresta andar. Uma sucessão de cada vez. Ao final, toda fauna e flora terão mais espaço.

— Vejo que já assistiu à progressão dos biomas úmidos.

— Sim, já assisti e já participei, várias vezes. — Era tomada de uma certa melancolia sua resposta. Parecia compreender mais, do que as palavras que estavam ali a afirmar.

— É fácil de entender sua tristeza e o sentimento de pesar. Também carrego os meus. — Prosseguiu soprando suavemente os roseirais, enquanto concluía.

— Fui gerado aqui neste mundo. Nele vivo, trabalho e participo de todos os processos, desde tempos imemoriais. Já assisti muitas mudanças. Destruição e muito renascimento. A diferença é que tudo fazia sentido. Até ele voltar, o Intruso voltar. É quando tudo se perde — Deteve-se novamente.

— Bastava soprar sobre os campos e florestas para levar sementes e polens para bem longe. Povoava-se do outro lado do rio, dos mares e oceanos. Até as ilhas e outro continente. No tempo certo, tudo acontecia. É quando perco tal capacidade. O Intruso intervém e modifica tudo. Fez antes e vai fazer de novo.

— Agora tenho o mesmo sentimento. Terei de desabar torrencialmente aqui, enquanto deixo secar ali, com os consequentes incêndios. Até que tudo se ajuste de novo.

— Até se ajustar. Furacões e tornados vão substituir o sopro leve. Até que se possa mais uma vez embalar os roseirais. Um tempo de paciência e resignação. Até tudo passar.

Há um estranho se aproximando. Muita coisa vai se acelerar. As chuvas e os ventos não agirão por gosto, mas, por pressão. Muito menos os tremores de terra. Oração, paciência e resignação. Não será a primeira vez, tão pouco haverá de ser a última. Entretanto, nós não estaremos sozinhos.

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