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                                                                                                                             Foto: Yoal Desumont

Por: Antonio Mata

Abrasava a terra desnuda e estorricada. Rachada e seca, a terra inerte impedida de reagir, apenas esperava o passar do dia. Sim, o dia, o século, o milênio.

Quando se deu? Em que tempo tudo se perdeu? A sombra da noite cessava a agitação silenciosa do açoite, de tanto sol. Ainda assim, trazendo o frio intenso e inclemente, que contrai para depois desagregar.

A greda seca estava desolada e se sentindo um barro inútil ante aquele cenário, onde só se via o vermelho, o amarelo e sua monotonia. Oferecia suas dores e queixumes às areias, aos ralos e raros resíduos orgânicos, além de umas poucas sementes ressecadas, contudo, os últimos a ainda acompanhá-la.

— Resisti enquanto pude. Juntei, agrupei e colei tudo com o mínimo de água que pude encontrar. Já não posso mais, e tudo agora só se esfarela ao sabor do tempo, do sol e dos ventos secos. Carregam tudo, tudo, tudo. — Choramingava a argila aos demais.

Grãos de areia, escondidos e deformados, ainda assim, solidários a argila, comentavam:

— Você ainda pôde fazê-lo, tendo ainda nos mantido, alguma quantidade consigo. Porém, sob o vento forte, muitos de nós não tivemos outra possibilidade, a não ser partir. O resfriamento e aquecimento sucessivos desagregou a todos nós. Estamos sendo deslocados, empurrados. Não sei nem para onde, nem quando ou como vamos parar.

O silte, antes brilhante e satisfeito, mostrava-se opaco e acabrunhado. A serrapilheira, solta como gosta de ser, foi a primeira a ser soprada e espalhada pelo vento.

Tornou-se evidente demais que, se não recebessem ajuda e logo, o cenário deprimente só tenderia a aumentar. Os tempos passavam quentes e implacáveis, até que o céu um dia escureceu, começando a ficar todo coberto de nuvens espessas.

O céu cada vez mais cinzento, cada vez mais pesado. Então, todos se reuniram e resolveram estender os seus pobres lamentos, mas também um pedido, ao céu repleto de nuvens.

— Vocês chegaram! Por que demoraram tanto? É aqui, é bem aqui, derramem suas águas aqui. Acabem com esse amarelão deprimente. Encham a terra de tanto verde, que até os pássaros possam voltar!

O céu cinzento, diante de tantos apelos, dizia:

— Por que razão reclamam tanto, já não fazem o chão das vastas extensões dos continentes? O que mais podem querer?

— Queremos e precisamos da chuva, sem ela nos tornamos inúteis, transformados em verdadeiros desertos.

Assim, o céu cinzento, que já abrandava o calor oferecendo muita sombra, com suas sucessivas camadas, passaram a derramar chuvas intensas que ajudassem a aplacar a secura da terra.

As águas chegaram em quantidade vindas do céu. Os solos impermeabilizados pela capa laterizada, petrificada, tinham dificuldade de absorver bastante água, permitindo que escapassem e escorressem pelas encostas abaixo.

Assim os sedimentos soltos já soprados pelo vento, foram reconduzidos para lugares mais distantes, indo se reagrupar em outras regiões.

Apavorada a greda reclamava com as nuvens, por conta do aguaceiro que haviam provocado.

— Não foi isso que pedimos. Vocês não percebem? Afastaram e espalharam mais ainda muita areia, argila e silte para todos os lados. As poucas sementes se foram. Até as encostas foram desfeitas pela força da tempestade.

Deteve-se pesarosa, e então prosseguiu.

— Deviam oferecer chuva leve, aos poucos, para que pudessem ficar todos onde estão. Agora estão todos muito distantes, estão todos perdidos, com as colinas postas abaixo.

Então, foi o Cúmulos-nimbos, uma nuvem de tempestade, que entre seus trovões respondeu:

— Chuva boa e suave é para aqueles terrenos e regiões, onde existe equilíbrio e ordem para todos. Na natureza tudo se organiza e se desenvolve sem pressa, para que todos possam se beneficiar das ações do Divino Criador. Todos os integrantes deste belo mundo. Quando por pura precipitação se destrói o que não era para se destruir, sobrevém o abalo e o desequilíbrio.

— Você nos acusa! Não fomos nós, não fomos nós! Tombaram as florestas, por sobre os continentes, desnudaram a terra. Até as areias são recolhidas até acabar. Não fomos nós!

— Bem o sei e não lhes acuso. Então não vê? O ar está sujo, o oxigênio diminuiu, o mundo se aquece, os rios se perderam, os mares padecem com tanto lixo derramado. O problema não é da argila, nem do silte, da areia ou da semente. Este problema é de quem o criou.

— E agora, o que vamos fazer? O que será de nós?

— Fazer? Não precisam fazer nada. Apenas assistir como se corrige a ganância, a avareza, a soberba e a mentira. Ações geram reações. É da Lei e sempre será. E continuou.

— Quanto a vocês, não se aflijam. Prosseguiram nos processos de transformações ao infinito. Não é assim que vocês têm visto?

A grande nuvem, produzindo sons graves e intensos, por entre raios e relâmpagos sucessivos, prosseguiu.

— Não estarão sendo afastados ou dispersos. Mais exatamente, o que se propõe é a recondução a outras paragens, onde possam mais uma vez, em paz recomeçar. Um ciclo se conclui, se inicia outro. Mesmo que às vezes, seja preciso destruir para reconstruir. Na realidade é o refazer, de outra forma.

Enfim, assim foi feito e a Lei chegou para todos. Entre calor avassalador e chamas intensas; tempestades torrenciais e enchentes gigantescas; ventos que açoitavam sem parar; maremotos e mares inavegáveis, a Terra realizou a sua catarse, livrando-se de tudo o que pudesse oprimi-la e daqueles que insistiam em destruí-la.

Todavia, aqueles que compreenderam a grandeza do fenômeno da vida e a Real Grandeza de seu Criador, estes foram poupados. Viver faz somente sentido se for para evoluir.

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