Por: Antonio Mata
Querendo entender algo que, por alguns segundos, tomou conta de sua mente. Acabou por lembrar da infância e de certa série de TV, que o empolgava, já que gostava de história.
A ideia de um túnel que pudesse conduzir a outros tempos, pareceu-lhe um começo de explicação. Ainda que fosse apenas, coisa de televisão. Só um entretenimento.
Deixando as divagações de lado, procurava lembrar os detalhes de um episódio angustiante. O suficiente para acordar suando muito e assustado com o que viu. Como algo poderia parecer tão verdadeiro e, ao mesmo tempo, tão distante?
Tanta coisa boa para sonhar. Parentes, amigos e irmãos. Episódios domésticos, brincadeiras, festas ou simples conversas. Tudo tão comum e normal. Por que haveria de ser de forma assustadora? Uma espécie de pesadelo?
Queria voltar a dormir e não conseguia. Muito menos colocar em ordem o monte de fragmentos que trazia na memória. Se cedo ou tarde, quem vai saber? Finalmente, sossegou a mente tumultuada e dormiu.
A calçada elevada e junto à muralha era muito extensa. Cheia de soldados armados e um ar pesado de apreensão que se estampava em qualquer um dos rostos.
Bastou olhar por sobre os ombros para o lado de fora. A mancha humana tomava todo o terreno até os limites das florestas próximas. Era um cerco. Urros e gritos anunciavam a fase final.
Alguém do alto da muralha principiou a gritar. Juntou-se aos que procuravam identificar o motivo, logo adiante, porém dentro da muralha, perfurando o perímetro defensivo.
A massa humana apenas crescia sem que as tropas no pátio fossem capazes de detê-la. Quando a massa se avolumou sem controle, os homens iniciaram uma correria para o térreo.
De armas em punho, corriam e gritavam.
— Vou pra casa, vou pra casa!
O reduto, o abrigo, a casa, o lar. Vidas prestes a ruir. Então, na angústia daqueles momentos finais, havia o resumo de tudo.
O grito tomou conta das defesas. A muralha fora rompida. A cidade vai cair. Deixou sua posição e juntou-se aos demais naquela correria que seria a última, já o sabiam.
Cruzou o extenso pátio e adentrou estreita viela, percorrendo até o final. Esbaforido, de espada em punho, abriu a porta. O pânico estava nos olhares. Uma mulher abraçada com duas moças e duas crianças menores.
Colocou-se diante da porta trancada, enquanto aguardava. Os últimos instantes, momentos de vida e desespero. Lá fora o barulho das casas mais à frente arrombadas e os gritos de homens e mulheres.
Como uma onda de terror, sentia sua vez chegar. Dentro de casa, completo silêncio. Apenas ouviam o caos que se aproximava, cada vez mais perto, cada vez mais à porta.
Ouviu-se uma pancada, duas, três e a porta arrebentou. O grito enlouquecido ecoava com a última defesa. No espaço diminuto de acesso à habitação, a espada cortava tudo o quanto pudesse.
Pedaços de braços, rostos retalhados em diagonal, pescoços submetidos à degola. Caem os quatro primeiros invasores, no que são pisoteados. Os demais adentram ferozmente.
Adrenalina, urros, sangue e horror. Recebe o primeiro golpe, no segundo lhe arrancam o braço e a espada, o terceiro o retalha do ombro à cintura. Acabou, não há história, não há glória, nem vida.
O peito ofegante, a camisa encharcada de suor, o acordar súbito. Procura se localizar. A cama, as paredes do quarto. Pensa por um instante e conclui.
— Fui eu, foi assim. Aconteceu assim, fui eu.