Por: Antonio Mata.
Vistos do alto, não apreciam tão perigosos assim. Ainda que em algumas ocasiões aparecessem brigando por algum motivo. Algo aliás, que estava se tornando corriqueiro.
Talvez por conta das afinidades com hábitos, costumes que nem todo mundo aceitava. Do alto, se mostravam aborrecidos por questões que, se tivessem prestado mais atenção; teriam descoberto que nem eram tão preocupantes.
De lá das alturas, conversavam.
— Ainda bem que a gente tá aqui em cima. Menos mal, mais longe e mais seguro.
Na realidade, ocultos na folhagem e nos galhos superiores das árvores. Eram quase invisíveis. Nem que fossem duas dúzias de curicas. Tratavam de sumir lá por cima mesmo, só por garantia. Desafiavam o observador mais arguto. É bem verdade que ficar debaixo da árvore olhando pra cima, não era lá grande ideia.
— Fique quieto e não se meta na vida dos outros. Este é o segredo para quem vive com estranhos. Faça de conta que não existem.
— Não estou me metendo coisa nenhuma. Só constatando que aqui é muito melhor. — Então, aproveitou para contar o resultado de uma de suas observações.
— Não tem muito tempo, um deles em cima de um troço barulhento se arrebentou contra um poste. Eu que não quero saber de viver assim.
— É verdade, outra hora alguém passou correndo e tomou algumas coisas que uma mulher estava levando. Inclusive uma coisa preta que ela trazia nas mãos. Só pode ser algo que gostam muito. Como ele não devia ter um, resolveu pegar o dela.
— Pois acho que deveríamos ficar em silêncio. Principalmente depois que saem de suas casas para as ruas. Não dependemos deles mesmo. Pois que briguem sozinhos.
— Isso sim é uma grande verdade, mesmo quando não saem de casa. Sei lá, tem dia que a rua fica deserta. Mesmo assim, pelas árvores e ruas fica tudo cheio de mosquitos, mariposas e grilos. É só do que a gente precisa.
— Tem razão, assim cada um vive do seu jeito. Sem perturbação.
— Só acho complicado a algazarra que fazem pela manhã. Chama demais a atenção das pessoas.
— Ora, se tivessem que implicar, já teriam feito isso.
Outro entra na conversa.
— Não há do que reclamar. Eles que cuidem de suas vidas e nós cuidamos das nossas. Vamos continuar aqui só assistindo.
O tempo estava bom. Com o dia muito nublado, cheio daquelas nuvenzinhas que parecem couve-flor. O vento fazia tremular cortinas, bandeiras e roupas no varal. Tempo tranquilo de uma manhã mais tranquila ainda.
De repente, um barulho abafado, como se batessem em alguma coisa oca. Quando prestaram atenção, uma das curicas despencava rumo ao chão. Sem que entendessem o motivo.
O peito fundo e deformado, denunciava a possível causa. Em seguida, antes que se dessem conta das coisas, outro som oco. Mais uma curica despencava. No chão, dava para ver a cabeça amassada e o bico ensanguentado enfiado para dentro.
Aquela gente estranha havia se tornado destruidora e de um modo inexplicável. Como uma espécie de doença que se propaga, subiu pelas árvores e os alcançou. Mesmo que já houvessem silenciado e estando invisíveis, como costumavam fazer.
Mesmo sem ter nada a ver com o que se passava lá embaixo. As demais curicas fugiram dali assustadas, em grande revoada.
Dois garotos com estilingues, olhavam no chão, o resultado da ótima pontaria. Saíram dali e se foram, em busca talvez, de outros invisíveis.
Os corpinhos verdes foram abandonados no chão. Frutos da irracionalidade, da morbidez e do desprezo. Estes sim, se propagavam e contaminavam até os mais jovens.