Menu

terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Diante dos olhos

                                                                                  

Por: Antonio Mata

 

Prosseguia no seu planeio tão extenso quanto atento. Sentia as variações das correntes de ar em seu próprio corpo e assim se situava com facilidade. Poderia se dizer que planava e descansava ao mesmo tempo.

O sobrevoo descontraído, que na realidade é uma busca tão sistemática quanto discreta, em dado momento enquadrou uma das ações que comumente prendiam sua atenção e justificam o fato de estar sempre procurando.

Lá embaixo um caminhão basculante adentrara uma pequena clareira, oculta dos olhos alheios por uma faixa de vegetação. Posicionou-se lentamente e atirou direto ao chão de barro sua carga descartável, motivo da busca por esconderijo.

Materiais tóxicos, toda sorte de entulho, uma profusão de embalagens com restos apodrecidos, além de muita matéria orgânica. Junto a tudo; muito restolho de carne.

Desceu das alturas, não como pedrada ou pedaço de pau atirado para o alto. Executou o procedimento de descida padrão. Planeio silencioso; em espiral por sobre o alvo. Posto por cima do monturo; agora é só procurar pelos seus interesses.

No quesito, beleza; teria dificuldade para ser apontado como belo. Costumeiramente não gostavam da sua presença. Seu aspecto não capturava bons sentimentos.

Pelo menos opiniões favoráveis, da parte de quem aparecesse naquele momento. Sempre se colocou à meia distância dos demais, como que reconhecendo a sua pouca aceitação.

Se havia ou não aceitação, o fato é que não demoraria muito a chegada de outros tantos, igualmente interessados naquele mesmo monturo. E não vinham do céu.

Em que pese este estranho relacionamento, resiliente; acabou como figura permanente da cidade. Malvisto, aceitou os lugares abandonados, os terrenos baldios e os monturos, que mais tarde se tornariam grandes lixões ao ar livre.

Com homens igualmente, cada vez mais amontoados, foi convidado a trabalhar dos dois lados da vida por absoluta necessidade e urgência. Se não passava de animal feio e rude, isto agora não teria mais nenhuma importância.

Fosse ao tempo do monturo, do lixão, ou do aterro sanitário; sempre deu um jeito de se fazer presente. Foi concebido pelo grande planejamento Divino para exercer o seu papel dessa forma. De qualquer modo afinal; também precisava comer.

Mas, o homem ainda vive às voltas com carcaças de animais e toda sorte de restos orgânicos em decomposição, de modo que o espaço para estes animais de plumagem negra, com cabeça e pescoço enrugados se faz preservado.

Tal e qual alguém que aguarda que nós próprios adotemos outras formas um pouco mais avançadas de se trabalhar com o rejeito.

Enquanto não se faz isso, os grupos de aves negras planando ao alto, zelosos de seu compromisso, farão parte dos desenhos das crianças, às vezes acreditando serem gaivotas vistas ao longe. Mas, a confusão infantil não foi assim tão grande.

As gaivotas, além de peixes e mariscos, também têm muito apetite para a carniça e o lixo.

Para falar a verdade, vistas de longe, até que dá para enganar. Na realidade, tanto uma como outra ave prestam-nos serviço ambiental de grande valor; já que não somos propriamente  famosos por manter nosso próprio mundo limpo.

Um se tornou conhecido como o “gari” da natureza. Bem que as gaivotas poderiam também competir pelo título, ainda que prefiram habitar as zonas costeiras; os belos litorais.

Sob que circunstância receberam penas brancas e não as pretas dos colegas de ofício; só um estudioso para responder.

Josuel estava cansado e costumeiramente aborrecido. Chegava do trabalho, mas antes de seguir para casa; passava no antigo bar do Gaspar.

Lá permanecia por mais uma hora tomando “uma” e jogando conversa fora; quando então se resolvia a prosseguir.

Era funcionário de um abatedouro, responsável por retalhar a carcaça de bovinos para encaminhá-las aos frigoríficos. O serviço era cansativo e exigia atenção permanente, ante a circulação dos corpos dos animais trazidos em ganchos para serem fracionados em partes menores.

O cheiro de carne crua e sangue no ambiente era o aspecto mais saliente do lugar. Do lado invisível à maioria dos homens, espíritos atormentados infestavam permanentemente o lugar.

São seres desejosos das emanações oriundas destes animais (maiores detalhes podem ser encontrados no livro “Missionários da Luz”, por André Luiz, em psicografia de Chico Xavier).

A presença de entidades enfermas concentradas em um único lugar provoca uma psicosfera de perturbação permanente ao redor destes estabelecimentos.

Essa concentração de energia de baixo campo vibracional tendia a desequilibrar as pessoas que permanecem nestes ambientes por longos períodos. Sejam trabalhadores ou moradores próximos.

Assim, tanto nos locais de trabalho como nas moradias, os cenários de alcoolismo; irritação; dores de cabeça e mal-estar; e os consequentes conflitos familiares faziam parte da vida destas pessoas, fatos estes já detectados em pesquisas sociais recentes.

Este grupo de pessoas, condicionadas pela natureza tóxica do ambiente, emitem uma quantidade grande de pensamentos de muito baixo teor vibracional; criando uma espécie de simbiose nociva aos dois lados da vida.

Se de um lado existia a acumulação de espíritos na busca de energias baixas para sua satisfação; na outra ponta a concentração de formas pensamento negativadas ajudava a saturar mais rapidamente tais ambientes.

Para que isto não aconteça, unem-se os esforços de trabalhadores espirituais devotados ao bem que buscam retirar os espíritos adoecidos do lugar.

Isto enquanto outro grupo de trabalhadores espirituais especializados na lide com as aves, providenciava a retirada das formas pensamento através de levas de urubus que em voos rasantes; as devoravam.

Isto para citar o pássaro mais comum nestas situações, onde se faz necessário limpar de energias negativadas ambientes de grandes dimensões. Os pássaros ao se alimentarem das formas pensamento, aliviam o lugar de sua influência e saturação, reduzindo a negatividade ambiental daquela área.

Dessa forma, a irritação de Josuel, na realidade é o resultado de um processo iniciado bem antes. É quase uma sequela; é a parte que compete a ele conscientemente contribuir para reduzir.

É no exercício da sua quota pessoal de paciência, tolerância e compreensão que irá superar tais cenários e impedir que suas próprias mazelas pessoais, frutos de seus próprios conflitos; sejam somadas às do ambiente.

Há de se lembrar de que o homem não chegou à Terra na condição de um autômato. Ainda assim, precisa despertar a sua condição de filho da Criação Divina, e então aprender a exercer seu autodomínio. Deus não quer autômatos nem escravos. Quer filhos para junto Dele poderem cocriar.

Sofrem esta mesma necessidade de limpeza apoiada por pássaros, as feiras livres; estádios esportivos; e grandes eventos públicos que promovam a aglomeração de pessoas.

Tudo aquilo que possa trazer o acúmulo de pensamentos de baixo teor nos grandes espaços urbanos, incluindo aí as ruas de grande movimento, recebe o sobrevoo de aves de maior porte, onde o principal limpador dos ambientes públicos é; o urubu.

Há um certo alívio, ainda que momentâneo, durante o Natal e no fim de ano. Em que pese a comercialização que acabou transformando as festas de dezembro em eventos superficiais.

É ainda um momento em que as pessoas pensam nos familiares e nos amigos com um pouco mais de carinho, ensejando votos de sucesso e uma vida melhor a todos.

O feioso urubu, tem então uma pequena trégua, antes que tenha de começar tudo de novo. Fiel ao seu papel; assim o cumpre dos dois lados da vida. Dessa forma doa aos homens os seus dias. Nem sempre a beleza está diante dos olhos.

Go Back



Comment

Blog Search

Comments