Por: Antonio Mata
Sol de deserto em pleno mês de março. Dormindo, nem há como ver tantas estrelas no céu limpo. Se quisessem saber, teriam avisado que o dia iria rachar.
Que situação, nenhuma vontade de sair debaixo das árvores. No entanto, logo mudariam de ideia. Quem dera fosse só por isso. Até acordar Yopal.
Madrugador, exaltado e encantado. De penas brancas e bigode de um lado só, tem consigo um olho que dorme e outro que espera o primeiro raio de sol.
— Outros virão, não importa. Quero ver mesmo é o primeiro. Esse vem de longe e eu sou o seu arauto. Isso é pra já.
Bastou o primeiro raio aparecer suavemente no horizonte e Yopal martelou a bigorna com força e com coragem. O som em volume, agudo, repentino, metálico e perfurante acordou porco-do-mato, jacaré na beira do rio, onça pendurada na árvore e macaco agarrado no cipó. Desfaleceu os vizinhos de sua árvore-condomínio.
— Tóiiiiiimmm! Tóiiiiiimmm!
— É o sol! É o sol bicharada! O sol chegou!
— Yopal, sua araponga sem cérebro! Vá procurar um psiquiatra! Estou me sentindo mal! — Gritava uma curica tomada de susto.
— Vai você. Está passando mal e eu é que preciso de médico.
— Não sou eu. São as 85 curicas que moram nessa árvore.
— Espere ao menos amanhecer por completo e não faça tanto barulho! Ainda está escuro! — Reclamava uma coruja suindara.
— Tô entendendo. Você rasga sua mortalha no meio da noite, eu não digo nada. Nem espera o sol. Prefere dar sustos pela madrugada, brincando de bicho fantasma.
— Isso não é verdade. Quer dizer, só faço às vezes.
A suindara virou a cabeça 180 graus, meteu por entre as penas das asas e não quis saber de conversar, nem de ver o sol chegar.
— Bicudo levante! Vem ver o sol!
— Lamento, mas não posso. Tirei a manhã para dormir. Hoje quero fazer diferente.
— Então acorda cri-crió! Vem namorador, vem ver o sol nascer!
— Não posso, passei a noite ocupado, cuidando dos filhotes. Não dá, não. Eu tô um caco!
Yopal insistia e passou a chamar os pássaros das árvores próximas.
— Gralhão, cadê você, cadê sua turma? Acorda todo mundo!
— Espere mais um pouco Yopal. Deixe pelo menos aproveitar o finalzinho da noite.
— Uirapuru acorda, vem pra cá!
O pequenino uirapuru respondeu cantando.
— Não vou, pra mim parou. Vou me embora já. Não vou, pra mim parou. Vou me embora já.
— Ah é? Ninguém quer, ninguém vem?
— Tóiiiiiimmm! Tóiiiiiimmm!
O martelo campainha soou mais uma vez, atormentando a floresta de vez.
A passarada, mais irada do que de costume, bateu asas e foram pra cima de Yopal. Foi um reboliço só. Uma grande algazarra capitaneada por bandos de gralhões seguidos de perto por uma centena de curicas e outras aves.
— Yopal, Yopal, você não sabe parar? Você perdeu o juízo? Gritava um japiim mais agitado.
— Por que você faz isso? Fala de uma vez! Fala logo! — Grasnava uma gralha-da-campina.
Cabisbaixo, agora entre o aborrecido e o deprimido, já desistindo de ver o sol, Yopal finalmente respondeu.
— Ah, Mariazinha sumiu.