Foto: chilevirus
Por: Antonio Mata
Deixou a pequena tapera com uma haste de madeira e as duas latas para obter água. São quase quinze quilômetros percorridos a pé. Ainda é madrugada, é preciso aproveitar o frescor da noite para estar de volta, o mais tardar às dez horas.
Já houve um tempo em que a água era de boa qualidade. Podia ser bebida direto das latas. Esse tempo já passou há muito. O líquido ora barrento, ora cinzento já é improprio para o consumo. Mesmo os processos convencionais de filtragem não eliminam todas as impurezas para que pudesse ser classificada como água potável de qualidade.
Caminha solitariamente pela estrada escura de terra batida, ao som de algum grilo, ou de um pássaro madrugador, este tão necessitado da mesma água quanto ele. Bebendo a mesma água suja quanto ele. Não se pensa nisso. Já sabendo que o único poço disponível, logo será disputado por muitos. Já não adianta cavar outro, não há por que cavar. Os poços estão secando, e só existe este disponível. Ainda existe, ainda brota água.
Prossegue no escuro. Está apenas se aproximando da água disputada por muitos. Ao raiar do sol, chega ao único poço das redondezas onde ainda se consegue água. A fila já existe, e pelo menos vinte pessoas já chegaram na sua frente. Talvez os dez primeiros daquele dia consigam água mais limpa.
Algo desequilibrou o mundo. E desequilibrou o mundo todo. Populações inteiras perseguem o mesmo líquido, que se torna escasso. Não é só esta ou aquela região, esta ou aquela cidade. O mundo está perdendo seus estoques de água potável. Não é apenas na África, mas nas Américas, na Europa, Ásia, Oceania. O desperdício que já foi feito, agora assola cidades e regiões inteiras pelo mundo afora. Mananciais inteiros já se perderam.
Ainda conseguiu encher suas duas latas de água suja. Coloca a haste nos ombros, se põe de volta, e não há muito em que pensar. Vai acabar, vai secar, é inevitável, e não há outra, é só o começo. A morte espreita a Terra, espreita os homens, como nunca se viu espreitar antes.