Foto: Wikimedia commons
Por: Antonio Mata
A Leveza e a sutileza do voo sempre captaram a admiração e o encantamento dos homens. Sempre desejosos de percorrer as alturas com a liberdade, a beleza e a graça dos pássaros.
Era preciso conhecer mais, estudar mais até compreender os princípios da aerodinâmica. Nos primórdios foi preciso observar, estudar seus movimentos e, particularmente, o sutil comportamento de suas asas.
Era uma tríplice preocupação; como fazem para subir; como se voa, como se mantêm no ar, mas também como se desce de lá, sem ter que entrar para o obituário. Entretanto, o universo destes seres cobertos de penas, com o alvorecer de um novo século, nos traria outra gentil realidade, tão sutil no seu desenvolvimento e tão extraordinária nos seus honrosos propósitos que nos encheriam de júbilo tanto quanto da primeira vez. A realidade física já nos era conhecida, agora era outra coisa.
Percorria as alturas dos céus sentindo o frescor do vento. As manobras graciosas e seguras conferiam um bailado inteligente e belo de se assistir. Avistar a terra do alto era um capítulo à parte. Delinear demoradamente o desenho das serras; os canais dos rios, na altura das nascentes e as águas descendo as encostas; a relva estendida ao longe e entrecortada por bosques naturais e árvores isoladas. Os lagos e suas imediações tranquilas, formavam berçários de outras tantas aves.
Os campos, florestas e litorais avançavam além. Até que grandes formas geométricas, diferentes das paisagens tão antigas quanto habituais, nos seus matizes alternados de cores e formas modificadas ao sabor dos tempos, surgiram e foram adentrando, aumentando, demarcando e oferecendo conjuntos de quadrados e retângulos que passaram a cobrir a terra.
O rio, linha sinuosa entrecortando os campos e florestas já não é mais único. Uma linha nova, às vezes tortuosa, às vezes estranhamente reta, se multiplicou lá embaixo. Ora, é um risco amarelo-escuro, ora é uma linha enegrecida. Os quadrados e retângulos se multiplicaram, sempre na direção da serra, como se quisessem tomá-la e destituí-la de seu lugar.
O rio já não desce só, fazendo seu próprio desenho. Mudaram sua passagem, já não está todo ele no mesmo lugar. Os grandes quadrados e retângulos agora cobrem quase tudo. Muitos animais que se avistava saltitando pelos campos, aves que viviam nas árvores, quase tudo se foi. Uns foram para longe, outros se adaptaram, outros tantos morreram ali mesmo.
A lógica das grandes formas de quadrados e retângulos é, no mínimo, diferente. Mudam de cor com maior frequência. Ficam verde, ficam amarelo, até chegarem no marrom, e em seguida, da cor da terra. Em tempos mais recentes surgiu outra forma incomum, o grande círculo. Tão colorido e com mudanças de cor tão frequentes quanto os quadrados e os retângulos.
As florestas e os campos agora parecem se recolher. As formas geométricas lhes ocupam os espaços. Nas proximidades já se vêm habitações esparsas; porém, na medida em que o sobrevoo avança, o casario igualmente se multiplica e se adensa, até chegar no domínio das grandes construções. É mais exatamente neste domínio central, repleto de prédios e de gente que a nossa história começa.
Na medida em que se adentra a grande cidade, ela é tomada de um negro de fumo. Um aspecto de fumaceira e escuridão escondem a cidade. As emanações, fruto de uma forma errada e negativa de pensar, são nocivas ao próprio homem transformando-os em verdadeiras usinas de perturbações. Perturbações estas que, quando atingem o corpo físico, ferem órgãos sensíveis. Tudo isso é resultado dos conflitos mentais sustentados por décadas, quando não, pela vida inteira, e que agora os maltrata muito pesadamente.
Ao comando do mentor espiritual e de sua equipe, que dirigiam aquela nuvem invisível de pássaros, espíritos estes profundos conhecedores das aves de nosso mundo e pelas quais nutriam profundo sentimento de amor; se organizaram tal e qual verdadeiras esquadrilhas com milhares de pássaros multicoloridos espalhados pelo céu. Havia pardais, andorinhas, curicas, muçuns, papagaios e araras. Iniciaram uma descida organizada e em levas, na direção de pontos específicos da cidade, selecionados para aquele amanhecer.
Junto aos postos de saúde, idosos, homens, mulheres se enfileiravam. Haviam começado a chegar desde a noite anterior. Aqueles que podiam, traziam cadeiras dobráveis, mantas para se cobrir. Uma garrafa de café e alguma coisa para comer completava a provisão. A maioria não levava nada. Obter uma ficha para consulta médica na rede pública de saúde. Este era o propósito daquela espera, daquela fila e daquele aparato.
A nuvem de pássaros se aproximava para a operação daquela manhã. Grupos de cães, peludos e robustos, de cernelha alta, praticamente um metro do chão, e em espírito, haviam sido posicionados nas proximidades da área de operação para a pronta resposta. Era para o caso de visitas indesejáveis das sombras no intuito de prejudicar a operação de assepsia espiritual no plano físico da Terra.
Identificados os alvos, iniciou-se a operação. Em sucessivas ondas e em mergulho, as invisíveis esquadrilhas do amanhecer atacaram milhares de formas pensamento por sobre os enfermos e na altura de seus ombros. Tais formas lembram morcegos com caudas longas terminando em uma pequena seta apontada para trás. Outras lembrando baratas imóveis, se agarravam nas paredes, cantos de portas e gradis, próximos aos humanos. As aves as pegavam no ar ou as arrancavam a poder de bicadas e as comiam todas.
Constituíam o subproduto mental de anos e anos de mágoas, rancores, frustrações, sentimentos de abandono, dores físicas que os torturavam, o medo que os imobilizava e perturbações de toda ordem. Uma espécie de sopa enegrecida e envenenada que insistiam em produzir para depois saborear aos poucos danificando o corpo físico, o templo santificado oferecido por Deus para a jornada humana na matéria. Mas, por obra e graça do Altíssimo, aqui não é lugar de zumbis. Este mundo foi concebido como uma grande escola para receber espíritos humanos.
As formas pensamento, tanto não conseguiam resistir ao ataque repentino e veloz que as surpreendia totalmente, quanto não havia escapatória, pois não dispunham de velocidade para promover uma fuga. Mesmo porque são seres imantados e presos magneticamente aos seus criadores, os pobres e perturbados seres humanos.
Enquanto prosseguia o ataque higienizador contra aquelas formas mentais, grupos de andorinhas percorriam rente ao chão recolhendo fugitivos e formas que circulavam pelo piso, completando a ação de limpeza psíquica do ambiente externo. Curicas e papagaios adentraram habilmente o interior do posto de saúde recolhendo tantas outras formas mentais que tenham se vinculado ao ambiente de trabalho do posto.
Estas formas enegrecidas grudadas nas paredes, portas e janelas, foram lá colocadas pela manipulação fluídica de espíritos inferiores no intuito de comprometer a tranquilidade do local e atingir o honroso trabalho de socorro realizado pela instituição. Mais uma vez a esquadrilha do amanhecer se pôs em ação contra as forças contrárias à Luz.
Com rapidez e eficiência, minou os esforços errados e comprometedores daqueles que optaram pela degeneração e destruição dos próprios irmãos que estão em experiência na matéria, sem compreender que quanto mais se esforçavam nos caminhos do mal, mais se comprometiam diante das Leis de Deus, criando para o próprio futuro, cenários de maiores sofrimentos, pois é só o que conseguirão assim obter. Inflexíveis e adoecidos no mal, com seus corpos e faces em condições lastimáveis e dignos de compaixão, ainda se arrastam por sobre a Terra.
A higienização prosseguia com grupos de pássaros voando em círculos ao redor do posto de saúde e criando um “buffer". Era uma área demarcada, psiquicamente mais limpa que o entorno, um perímetro de amortecimento, dentro do qual trabalhadores da saúde e pacientes possam ter um pouco mais de sossego, e um dia de trabalho sem tumultos, em que pese a sabida e diária agitação do lugar. De igual modo os hospitais da cidade são também atendidos em suas necessidades de proteção espiritual.
Surgia no céu os primeiros raios de sol, quando a passarada, de uma forma tão organizada quanto foi na sua chegada, se retirou velozmente enchendo os céus espirituais de movimento e cor encerrando aquela madrugada. Retornaram aos corpinhos que descansavam, retomando a condição de dorminhocos, mas por uns poucos instantes apenas. Logo a passarada faria a sua habitual algazarra para saudar, com muita energia e muito encanto o início de uma nova manhã.
Cada qual no seu lugar, naquele cenário multicolorido, os anônimos heróis das aventuras da madrugada retornaram à sua condição habitual de seres emplumados desligados da civilização, pouco percebida pela cidade que acorda. Seres tão emplumados quanto anônimos milenares. Anonimato que tiveram de usar, que lhes foi conferido pela nossa própria ignorância.
De uma maneira ou de outra, estamos todos interligados, seja nas paisagens da Terra, seja nos cenários universais. Nada existe por si só. Tudo tem um propósito, uma finalidade e conexões na vida.
Antes que os homens pudessem pensar em voar, e por muito favor, apenas admiravam os pássaros ao longe, estes irmãos alados, tão filhos do Criador quanto nós mesmos, no exercício dos sagrados desígnios do Altíssimo, já sustentavam, a teu serviço, a serviço da humanidade da Terra, as esquadrilhas do amanhecer.