Por: Antonio Mata.
Poderia ter esquecido qualquer coisa, menos a garrafa. Estava bem segura em uma das mãos. Ainda que, de cabeça baixa e os passos fossem um tanto quanto cambaleantes.
Pelo lugar, pela direção e pelo horário, ninguém prestou atenção. Já não se liga mais para tanta coisa. Pisar na areia não era novidade, nem os passeios noturnos do lugar conhecido, de encontros e desencontros também. Tudo já passou.
O plano era simples e nem era original. Mas, nem isso importava. Já que ela simpatizou com a ideia, então valia a pena voltar ali e fazer o trajeto mais uma vez.
Queria que fosse ao escurecer. Achava mais convidativo e com uma pitada de mistério. É que de repente, podia sair tudo errado e ao invés de avançar e se perder, simplesmente voltar aos seus pés. Se assim ocorresse, não estava muito disposto a fazer de novo. Tinha que ser uma vez só.
— Chico, já está escuro, vê se não entra na água nessa escuridão. Não vi nenhuma necessidade nisso.
— Não é necessidade, é uma possibilidade. Aliás, com boa probabilidade de dar certo.
— Devia ter chamado o Luciano, teria sido melhor do que querer vir sozinho no escuro. Entrar na água com você, nem pensar.
— Eu vim descalço, você vai ver. Não vou molhar nem os joelhos e nem demoro.
— E acreditar que apoiei esse negócio. Já me arrependi. Tá pensando que ainda é algum menino. Só para se resfriar.
Algum tempo depois, Chico avisou para aguardar.
— Espere aqui, é mais seguro para você, eu não demoro.
— Assim que sentir a água nos pés, faz isso de uma vez e volta pra cá, faz logo. Não tenta entrar muito.
— Tá, eu já entendi.
Avançou mais algumas dezenas de passos. Chegou com o mar na altura das canelas. Desenrolou um metro e meio de barbante que havia amarrado no gargalo da garrafa. Girou como uma funda e arremessou o mais longe que pôde na escuridão. Na verdade, uns trinta metros, se muito.
Lá dentro uma cópia da fotografia, em preto em branco, da moça com a farda do colegial e rabo de cavalo, por quem um dia se encantou. Mais duas fotos. Bebês brincando naquela mesma praia e em outra, uma festa de aniversário onde todos estavam reunidos. Esta última era colorida, já todos adultos.
Em uma folha de caderno escreveu algumas coisas. Lembranças que trazia consigo. Não sabia fazer uma única quadrinha sequer. Então completou com uma estrofe que achava bonita. Até a Manuela gostou.
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você.