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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Imagine

Por: Antonio Mata

 

O sucesso estampado no rosto sorridente, era mais inocência do que propriamente verdade. Mesmo assim, estava esfuziante em poder fazer uma grande surpresa.

Providenciara sua exibição meio que às escondidas. Mas, nada que pudesse condená-lo. Só estava sendo discreto e habilidoso. Uma forma de se apresentar. Momento e idade das grandes realizações.

Num instante, o assombro no olhar. Já era esperado, já conhecia. Preparara tudo só para os ver assim, em quase transe. Mas, nem sempre os planos funcionam e os acidentes, então, acontecem.

— Luuucas! — O grito saiu mais engasgado que o esperado, e o pânico deve ter interferido de alguma forma. De um jeito ruim.

Olhava para a direita enquanto pedalava firmemente sua bicicleta, aro dezesseis, da qual tinha retirado as rodinhas laterais, já na semana anterior. Era um ás.

Não viu a guia se aproximar.

Prestes a completar nove anos, só mais três dias. Não houve tempo para entender mais um pouco dessa história de velocidade sobre o asfalto, com carros, calçadas e guias.

As propriedades dos corpos sólidos. Que dois deles não ocupam o mesmo lugar no espaço. Que aquela guia de granito haveria de querer ocupar o espaço bem antes da roda.

Virou igual canivete, por cima da guia e da calçada. A bicicleta ficou e ele partiu. Cara no chão, todo arranhado, pulso torcido e dente quebrado. Diriam os mais otimistas: saiu barato.

Mas não seus pais.

Carregavam o menino em busca de socorro, acalmavam ele; brigavam com ele; discutiam entre si; apontavam defeitos entre si; tudo ao mesmo tempo.

O Lucas, bom, esse não entendia nada. Doía demais para pensar em outra coisa.

Daquilo que já se fazia distante, quem sabe lembrasse. Nem que fosse só por um fiapo de segundo.

— Acha que posso, acha mesmo que tenho alguma chance?

— As dificuldades estão cada vez maiores. Quer mesmo voltar? A fila está enorme. Os abortos também. — Parou um instante.

— Se continuar assim, logo se tornará uma espécie de loteria. Temos trabalhado muito para não acontecer dessa forma. Seria tudo por demais desastroso.

— Tudo ficou mais difícil, eu sei.

— Você teve participações importantes aqui. Se não tivesse descido aos umbrais com as equipes de socorro, não teríamos recolhido uma quantidade tão grande de necessitados e estropiados. Vieram porque acreditavam em você.

— Confiavam em alguém que fez tão pouco. Sinto vontade de corrigir tanta coisa.

— Não tenha tanta pressa. Entretanto, correções importantes podem ser feitas. Apesar do cenário mais precário.

— Vou arriscar, preciso voltar.

— Então, está bem. Assim que for possível iremos avisá-lo.

Uns querem partir, outros querem voltar. O berço das realizações terrestres é magnético. Atrai a todos de uma forma ou de outra.

Inclusive os que não temem o perigo.

— Você poderia ter se quebrado todo, meu filho. O que você fez foi muito perigoso.

— Só queria lhe fazer uma surpresa. Só não vi aquela curva lá na frente. Não deu tempo de virar. Eu vou ficar de castigo?

— Acho que já conseguiu seu próprio castigo, Lucas.

A ideia de voltar acabou ganhando corpo.

O orientador se dirigiu à plateia, sentada adiante.

— Há uma vaga, contudo, é para um tetraplégico. Trata-se de uma família que tem sofrido muito. Porém, são muito pobres, sem formação e violentos. Alguém interessado?

Bastante incomum fazer esse tipo de oferta. Pois a questão encerra muitos detalhes. Impedindo esse tipo de tratamento, aparentemente tão precipitado.

Enquanto os mais conscienciosos estranhavam aquilo, o resto da plateia pensava nas possibilidades e restrições da oferta.

No fundo do auditório, alguém se pôs de pé. Muito pálido, magro e nariz meio adunco. Levantou os dois braços e um terceiro, se o tivesse. De boca entreaberta, principiou a gritar.

— Eu! Eu vou, eu vou!

O orientador e sua equipe se entreolhavam.

— Vai ser um grande desafio. Percebe isso?

— Sim, entendi. Eu quero ir assim mesmo.

— Está bem, John, contamos com você. Mas, devo dizer que não terá de ser tetraplégico. Perdoe a brincadeira. Sua vez chegou, vamos iniciar os preparativos para o seu retorno.

A plateia estourou em gritos e palmas que, de pé, saudavam o mais novo e valente retornante às plagas terrenas. Lugar de se viver, se aprender, superar e crescer. Corrigir o passado e se projetar no futuro. Agora, de uma Nova Terra.

                    ...

                    You may say I’m a dreamer

                    But, I’m not the Only one

                    I hope someday you’ll join us

                    And the world live as one.

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