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Incidente na Antártica

                                                        Foto: Jacqueline Schmid por Pixabay.   

Por: Antonio Mata 

 

Bastava aguardar o fim da noite polar. Assim a partir de outubro teriam seis meses de luz em aberto, dias claros e contínuos para a exploração. O navio de pesquisa já se encontrava pronto e os equipamentos necessários embarcados, testados e funcionando.

O ânimo pela presença da luz do dia era grande, além disso novos integrantes haviam chegado para ampliar o grupo de trabalho. O céu de um azul profundo e muito limpo emoldurava a região naquela manhã, fenômeno raro, pois normalmente o céu permanece parcialmente encoberto.

A região é detentora do menor registro de temperatura já observada no planeta. Foi registrado pelos russos -89°C, na estação de Vostok em 1983.

As velocidades dos ventos são intensas e perigosas. Registrou-se em 1972, na estação francesa de Dumont d’Urville a velocidade de 320Km/h. O que o cenário tem de belo, tem de perigoso.

Viver em local tão inóspito tem sempre seus problemas. Uma ferramenta metálica, a temperaturas abaixo de -40°C pode se tornar quebradiça. As mãos e outras partes do corpo que estejam expostas podem sofrer congelamento instantâneo em questão de segundos. Os mares são tempestuosos e perigosos. Qualquer movimento não pode desconsiderar estes fatores.

O dia em questão apontava para uma condição favorável e por demais útil para o desenvolvimento de pesquisa de campo. A equipe embarcou com destino a um dos diversos campos de gelo, as banquisas, com seus paredões de mais de 50 metros de altura, equivalentes a um prédio de 18 andares.

Ainda que ao longo do dia o céu tenha se tornado encoberto e a meteorologia apontava para ventos mais intensos naquele dia, não se considerou que tais situações fossem impeditivos suficientemente forte que justificassem o abortamento da missão. Até porque, era por pouco tempo e já haviam enfrentado condições piores.

Deste modo a equipe decidiu-se por prosseguir com a missão. A poucos minutos uma parte substancialmente grande da banquisa havia cedido, caindo e afundando no mar gelado. Além do perigoso, porém belo espetáculo, já tinham presenciado outras quedas que ocorriam na região.

O navio oceanográfico, lançado ao mar a poucos anos, e complementado com o que havia de mais atual em termos de  instrumental de registro, observação e medições, era um laboratório em alto mar.

Confiavam na experiência de décadas de estudos realizados. O mar por vez, não se encontrava agitado. Acreditaram que o conjunto restante estaria bastante estável e resolveram se aproximar ainda mais do paredão gigantesco.

Chamou-lhes a atenção certas ranhuras no paredão gelado, que à distância, utilizando binóculos, não conseguiam a definição necessária. Daí desejarem maior aproximação.

— Eu não sou pesquisador, sou membro da tripulação. Mais exatamente o cozinheiro da equipe. Estava no convés apreciando o paredão branco azulado belíssimo.— O cozinheiro prosseguiu com seu relato:

— Os pesquisadores faziam o mesmo, na realidade pareciam procurar alguma coisa, tamanha era a atenção em observar bem o paredão imenso.

— Foi quando então aconteceu...

— Como a tampa do cofre de um motor enorme, uma placa caiu violentamente, e foi sobre nós. Lembro do estrondo enorme que fez. Meus pés ficaram no ar por uma fração de segundo, pois a parte de cima do navio foi empurrada para baixo. Depois a clara impressão de estar sendo empurrado para baixo também. Tomei um susto enorme, e muito rápido, senti a água congelada tocando no meu braço. Depois só a escuridão. Isso foi tudo, não vi e nem  lembro de mais nada.

Outro homem apresentava seu depoimento.

— O navio era novo e absolutamente seguro. Conhecia bem a região, afinal, fui o comandante do navio mais antigo por doze anos, antes de ser aposentado, após mais de quarenta anos de ótimos serviços prestados. Quando este ficou pronto, veio o convite para assumi-lo. Encarei com naturalidade e procurei manter a minha tripulação anterior. Estávamos neste navio há  três anos. Quando então se deu o acidente.— Aparentando tranquilidade e segurança, continuou:

— Todos a bordo, do mais novo marujo ao mais jovem pesquisador, todos sabiam o que estavam fazendo. A aproximação do paredão da banquisa não foi nenhuma ação suicida. Já havíamos feito antes. Fez pequena pausa.

— Claro que isto incorre em riscos, por isso todas as possibilidades de um insucesso são verificadas. As verificações foram feitas e então toma-se uma decisão. Sou o capitão do navio, a decisão final foi minha.

Não sem amargor, mas com profundo sentimento de responsabilidade e autocrítica, concluiu seu rápido depoimento.

— Vi algo como o céu escurecer. Ao olhar para frente foi quando me dei conta que o paredão, ou parte dele, estava cedendo. Minha reação foi querer deslocar o navio para bombordo. É óbvio que isto foi impossível. Rapidamente o paredão estava sobre a ponte. Entendi que tudo estava perdido. Depois, foi só uma total  escuridão e o frio. Um frio enorme que não lhe congela, mas que não te escapa.

Todos os que estavam na ponte de comando ou no convés, tiveram morte repentina. O navio oceanográfico foi empurrado para o fundo pela mão de um gigante.

Aqueles que se encontravam no interior puderam gozar de alguns segundos adicionais, e isto foi tudo. O tempo suficiente para a água congelada matar a todos aqueles que não tivessem perecido com seus corpos sendo atirados na estrutura do navio.

A embarcação foi a pique matando a todos. Sem nenhuma comunicação ou pedido de ajuda, ninguém nunca soube ao certo o que aconteceu. Havia o registro da missão do dia. Deduziu-se que o navio havia afundado nas imediações da banquisa. O que seria confirmado com o uso do sonar.

Os espíritos dos tripulantes e pesquisadores, somente puderam ser recolhidos da escuridão quatro anos após o acidente.

 

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