Por: Antonio Mata
Ao longe era uma espécie de chiado misturado com um apito estridente. O som das antigas turbinas a jato era perturbador. Muito comum o pessoal das equipes de manutenção sofrerem com perda de audição. Mesmo com o uso de auriculares.
Tempos atrás o acesso ao aeroporto se fazia cruzando uma linha férrea. Como a área de mata, para os dois lados, acabava por cobrir a visão, era importante prestar atenção no apito do trem, de modo a evitar acidentes.
Otaviano estava acostumado com o trajeto, já realizado inúmeras vezes, ao longo de pelo menos doze anos. Trens e motores a jato possuem sons bem distintos.
Também já havia se acostumado com o aparelho auditivo que carregava no bolso, parecendo um rádio de pilha. Eventualmente, quando as pilhas estavam ficando fracas, precisava dar dois petelecos no aparelho para recuperar o funcionamento.
Às recomendações de cuidado de sua mulher, respondia sempre a mesma coisa: “são sons inconfundíveis”. Entendia que, assim, não havia com o que se preocupar. Bastava parar em frente ao cruzamento por um momento, distinguir os sons e então fazer a passagem sem nenhum problema.
Havia saído de casa apressado e apesar de saber da necessidade de trocar as pilhas de seu aparelho para surdez, acabou não cuidando disso. Entrou no carro e seguiu para o aeroporto.
Minutos após estava em frente ao cruzamento com a ferrovia. Deu os dois petelecos no aparelho e esperou. Não ouviu apito nenhum. Aguardou mais um pouco, mais dois petelecos e o que ouviu lembrava o som estridente dos motores a jato. Mas, não era um avião a jato, era o trem. Aguardou o comboio passar e seguiu viagem.
Novo dia, nova saída às pressas, com o aparelho sendo deixado nas mesmas condições. Mais uma vez se deteve diante do cruzamento. Novamente o que ouviu foi o som estridente das turbinas a jato, outra vez. Desconfiou que aquilo seria de fato o acionamento dos aviões na pista.
Resolveu acelerar rapidamente e acabar logo com a espera fazendo o cruzamento de uma vez. O motor frio em uma manhã fria fez o carro estancar.
Tornou a acionar a chave de ignição, enquanto instintivamente olhava para a sua direita. O que viu tirava qualquer dúvida quanto aos sons. Pouco importava naquele momento se tinha pilha, ou se estava gasta. A frente vermelha desbotada da locomotiva se aproximando dispensava interpretação de qualquer tipo de som.
Com o corpo semi-paralisado, continuava buscando acionar o carro, enquanto a locomotiva, daquelas antigas, se aproximava a uns 50km/h, no máximo.
Enfim, o motor pegou. Acelerou várias vezes e tratou de sair dali de cima dos trilhos. Avançou sentindo ligeira pressão vindo de trás. Imaginou ser o deslocamento do ar, o susto por conta da situação, ou o fato de não ouvir direito tudo o que se passava.
Respirou fundo, tratou de se acalmar e seguiu para o aeroporto. No caminho, ao cruzar por uma viatura policial, esta o acompanhou solicitando que parasse o veículo. Deteve o carro, enquanto voltava a dar petelecos no aparelho de surdez. Precisava saber o que o policial queria.
Não ouvia nada do que dizia o guarda. Mas o mesmo apontava para trás enquanto falava. Decidiu deixar o fusca e ir ver do que se tratava. O policial o olhava como quem aguardava uma resposta.
Otaviano havia sido parado por estar circulando sem para-choque.