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Inocência

                                                                    

                                                                                                        Imagem: PxHere - Doniyer Yakhshibayev.

Por: Antonio Mata

Do início da semana, era segunda-feira. Aquela que passou, pois de fato, já era manhã de quinta-feira. Nada de mais, nada que merecesse maior atenção na rotina de qualquer família.

Só que dessa vez era diferente. Para aqueles três sentados ali, meio que paralisados, perplexos. Tudo muito fácil de se entender. Acusaram, brigaram, humilharam, e tudo mais.

Muito bem apoiados em supostas provas. Que não passavam de opiniões, ou achismos. Que agora, o vento levou, o tempo passou e no bico também se foi.

Mas é assim mesmo. Quando se precipita na vida e se parte na busca dos culpados, esse risco sempre existirá. Alguém precisa vestir a carapaça para aplacar a ira dos nervosos, dos ansiosos e estressados que a vida insiste em colocar bem na frente.

Complicado mesmo, é quando acontece de ser preciso trabalhar com eles. Mais ainda, quando não são colegas de trabalho. O patrão ou a patroa, está entre eles. Aí a coisa é séria.

Violeta já chegava jogando água com sabão para lavar o terraço garagem. Recolhendo a roupa para lavar. Estabelecendo as lavagens. As peças mais leves em separado, jeans e peças de tecido mais grosso vêm depois.

Põe a mesa do café e todos tomam café juntos. Tanto Solange e Henrique, que irão para a escola, como Míriam, a mãe dos outros dois. Depois é só deixar os filhos na escola e seguir para o seu emprego, não muito distante dali.

Violeta costumeiramente fica em casa e cuida de tudo. Lá por volta das 16 horas, já estará com tudo concluído. Pouco depois, fecha a casa e vai embora. No dia seguinte estará de volta, de segunda a sexta-feira.

Foi no final da tarde de segunda-feira que o incêndio doméstico começou, ao sabor das interpretações.

— Mãe, olha só isso. Tá horrível essa camisa. Como vou para a escola amanhã desse jeito? — Solange reclamava do estado de sua camisa da farda escolar que parecia estar puída, igual roupa velha, soltando os fios.

Míriam pega a peça de roupa para verificar.

— Nossa, o que foi que deu na Violeta? Desaprendeu?

— Não sei mãe. Essa camisa assim, não quero mais.

— Aguarde Solange. Se der, semana que vem eu compro outra.

— Semana que vem!? E eu? Vou sair igual um molambo? De jeito nenhum, não vou não. Amanhã não vou pra a escola!

— Solange, tenha paciência. Só vou ter dinheiro semana que vem. Eu pego a camisa amanhã e peço para aguardarem um pouco. Isso não vai ser problema.

— Usa o seu cartão mãe.

— Nem pensar, minha filha. Tá tudo estourado. Deixa que eu cuido disso do meu jeito.

Aí então, na manhã de terça-feira...

— Violeta, o que foi que houve com a roupa? Você tá misturando tudo de novo. Estragou a camiseta da Solange. Foi uma amolação, ontem à tarde. Olha só. — E mostrava a camiseta de farda puída, no dia anterior.

— Não junte roupas com zíper com peças mais finas. O movimento da lavadora pode estragar as mais finas.

— Dona Míriam eu sempre separo a roupa. Não sei o que foi que aconteceu dessa vez.

— Tá Violeta, mas só toma cuida pra não aparecer chateação.

— Tá bom dona Míriam.

Tarde para a noite de terça-feira.

— Olha só isso. Já viu isso em algum lugar? Henrique mostrava uma calça jeans, com o tecido desfiado. Algo, por sinal, muito comum hoje em dia.

— Cadê Henrique. Não vi nada de mais.

— Olha, isso aqui vai abrir. No joelho, na perna, não tem nada de mais. Mas na bunda mãe? Tinha que ser? — Ela deve ter deixado alguma coisa dentro da lavadora. Só pode ser. Algum objeto que cortou, lixou, sei lá.

Aquilo começou a aborrecer Míriam, e a admoestação da diarista se tornou inevitável. Na quarta-feira, a situação se repetiu, com outra peça de roupa, mais outra, e mais outra.

Agora, a encrenca já estava pronta.

— Violeta, eu já falei contigo tantas vezes! Já perdi a paciência com essa história! Fica tudo repetindo! — Dizia Míriam.

— É, sim, fica repetindo Violeta. Você fica fazendo tudo igual. — Dizia Solange. — Não sabe mais trabalhar.

— Ó, Violeta, você sabe que eu não sou muito de esquentar a cabeça, mas tá demais. Eu tô cheia de roupa estragada.

— Você tá aborrecida com alguma coisa, Violeta? Tá incomodada com alguém? Pode falar. — Indagava Míriam.

— Não tô incomodada com ninguém não, dona Míriam. Só não sei o que tá acontecendo.

— Quando eu dizia pra você tomar cuidado coma minhas roupas, você fazia aquela cara, como se eu estivesse falando alguma bobagem. É por isso que eu acho que você está fazendo de propósito. — Alfinetava Solange.

— Não é possível Violeta. Você está fazendo isso mesmo?

Violeta, sentindo-se humilhada, resolveu deixar o emprego. Em prantos, se dirigia a sua patroa.

— A senhora me dê as contas, que eu vou me embora!

Assim foi feito, naquela mesma manhã de quarta-feira, a mais confusa e a mais desagradável, antes de se partir para as atividades do dia.

A coisa assumia ares de irreversível. Na quinta-feira, estranharam não ter ninguém para pôr a mesa do café. Muito menos os sons característicos de Violeta, cuidando de tudo.

São situações com as quais as pessoas se acostumam. Quando alguma coisa sai do quadrado, parece que ficou diferente. E dessa vez tinha ficado mesmo.

Em dado momento, sentaram-se os três sobre o sofá. Como que de encontro marcado. Muito estranho, pois a correria de todas as manhãs, estava lá do mesmo jeito, só que em compasso de espera. Só aguardando para ver o que iria acontecer. É que de repente, ninguém queria mais correr e ficaram ali sentados.

Dava para ver, pela porta entreaberta da cozinha, até a área de serviço. Ali havia um fio de nylon. Este fora estendido pela Violeta, tempos atrás. Nele havia três ou quatro peças de roupa que ninguém recolheu.

De repente, um passarinho chegou e acomodou-se sobre uma das peças. Logo depois, outro passarinho apareceu, também parando sobre a roupa no varal improvisado.

Iniciaram aí os seus processos de recolhimento de linhas e fiozinhos, para a construção de um ninho, não muito longe dali. Um sem cessar de idas e vindas. Recolhendo fios de roupas estendidas nos varais das residências.

Eram juntados aos galhinhos, folhas e raminhos de modo a produzir o ninho de seus rebentos. As linhas febrilmente arrancadas das peças de roupa, serviam para fazer uma base macia e confortável dentro do ninho, onde a fêmea haveria de fazer sua postura.

Míriam, Solange e Henrique assistiam em silêncio e boquiabertos ao trabalho do casal de passarinhos, produzindo material de acabamento para o pequeno ninho.

Ninguém se preocupou em espantá-los. A preocupação maior, em outro nível, foi expressa por Henrique, o primeiro a falar.

— Acho que pensamos tudo errado, achamos tudo errado e por causa disso, fizemos tudo errado. Foi assim que acusamos e perdemos a Violeta.

— Mãe, chama ela de volta. — Dizia Solange.

— Chamar como? Você não viu como ela saiu daqui? Lembra do que você disse a ela?

— Chama assim mesmo, mãe. A Solange diz que caiu na real e pede desculpas. — Dizia Henrique.

— Pois bem, que tal irmos todos nós? — Sugeriu Míriam.

— Sim, eu aceito.

— Eu também, mãe.

Nem sempre as coisas são do modo como se imagina que sejam. Comumente somos levados a querer buscar culpados, ao invés de se querer analisar e compreender mais pouco.

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