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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Lúcida

 

Por: Antonio Mata.

A compreensão não era suficiente. Como haveria de supor que com tão poucas palavras se quisesse dizer tanta coisa? O que vem da carne é carne, o que vem do espírito é espírito.

A matéria, antes tão densa, sólida e impenetrável. O mundo era material. Um mundo sólido. Até o átomo mostrar que as coisas não eram bem assim.

Mesmo entre o núcleo e a eletrosfera existe espaço. Entre um átomo e outro existe espaço.

Há muito espaço entre as coisas. Difícil seria explicar isso a rudes pescadores, a gente simples do povo. Só a singeleza das palavras simples que dizem pouco, mas, expressam muito. O resto é atenção e a vontade de compreender.

Até mesmo aquilo que não existia ainda. Ainda assim, o que vem do espírito é espírito. Para aquilo que se sabe e para aquilo que ainda não se sabe. Cedo ou tarde tudo chegará.

Aguardavam tranquilamente o início de um novo encontro. Pequeno grupo de novos participantes enveredavam por suas experiências pessoais, nos domínios da mediunidade.

Estes, os portadores dessa sutil predisposição de seus organismos, receberam diversos nomes ao longo da história dos homens. Eles Eles estão em todos os lugares e são muitos indivíduos. O mundo ainda traz consigo muito desconhecimento de tais capacidades e estes a respeito de si.

Por conta da antiga desfaçatez reinante, povos antagonistas desenvolveram extensas pesquisas buscando elucidar tais capacidades e poder tirar proveito desses homens e mulheres. Estariam a serviço da espionagem, atuando fora do corpo físico e bisbilhotando a vida e os segredos uns dos outros.

Na história da humanidade, já foram torturados; espancados; humilhados; queimados vivos ou desacreditados. Trancafiados dentro de casa ou entregues a manicômios para serem esquecidos. Ainda hoje, são frequentadores dos consultórios psiquiátricos, onde tratam dos sintomas, mas nunca a causa. Tudo em nome do obscurantismo. Filho bastardo da falta de conhecimento.

Só não se conseguiu uma coisa: fazê-los deixar de existir. Não há, simplesmente não há, como extinguir o que é natural do ser. Que passem os séculos. O que é de Deus não acaba. O homem é que precisa, e agora de forma urgente, se educar.

Esta é apenas uma breve passagem. De algo muito extenso e que começou há muitos milênios:

Geise, participando do grupo a cerca de dois meses, ao início da reunião se acomoda. Após rápida, porém singela oração, a intensidade da iluminação é baixada.

Para os mais experientes, as comunicações, então, se sucedem. Há um quê de calmaria no ar. Fruto da educação de suas faculdades, do equilíbrio e dos elevados propósitos reinantes.

Geise assume outro tipo de exercício mais adequado à sua própria trajetória. Do outro lado da vida, respeitam a sua pouca experiencia. Porém, tudo é merecimento. Para quem vê, parece apenas estar concentrada e em silêncio.

A jovem aprendiz vê a chegada de uma trabalhadora que a toma pela mão. O exercício já vai começar. A duração de toda a parte da reunião dedicada às comunicações e exercício mediúnico é de apenas 45minutos. Isto para não sacrificar os médiuns.

Sob os cuidados da servidora espiritual, a médium é levada a ambientes os mais diversos. Vê-se dentro de vistoso bosque, cercada por árvores e plantas de uma beleza ímpar. Rapidamente se afasta. Adentra uma densa floresta. Está na matriz espiritual da Amazônia. Aquela que deu origem à floresta da terceira dimensão. A floresta física.

 

Observa animais terrestres por entre o emaranhado de árvores e arbustos. Estão em todos os lugares. A revoada de pássaros, acima das árvores, impressiona a médium.

As araras cruzam seu caminho, como se a vissem. O colorido é incomum. O cheiro de mata, mais intenso que o habitual, invade suas narinas. Orquídeas e bromélias não são apenas bonitas. São encantadoras. Verdadeiros mimos vivos. Se afasta do local em velocidade estonteante.

Agora se encontra sobre uma montanha de onde vislumbra simpático vale, coberto por plantações e cidadezinhas. O cenário inspira sossego e paz.

O frescor, o vento frio no rosto. Os perfumes e odores de cada espaço. As cores inigualáveis das paisagens de luz. Lhe afloram sentimentos de alegria. Não sabe se sorri ou se chora por conta de tantas novidades de um vivo impensável.

Não consegue definir o tempo de cada passagem. Tudo é muito rápido. Adentra os domínios escuros onde enxerga um ser, parecendo um anão. Parecia dormir sobre uma pedra talhada.

Escuridão, cheiro desagradável. O corpo pesa, a cabeça pesa e dói. A impressão de estar sendo vigiada. Sentimentos de aflição e pavor. Um mal-estar generalizado. Vontade grande de sair dali. O que se dá em seguida, tão logo teve tal pensamento. É um exercício, não uma seção de tortura.

Esteve nos umbrais da Terra. Os domínios da agonia e da escuridão. Estes, sim, por demais salientes na mente dos homens. Seus fiéis frequentadores.

Parece subir rapidamente, sente o ar frio no rosto. A atmosfera, visível em suas camadas, pela diminuição gradativa do oxigênio. Está no ar, olhando tudo. Logo acima o espaço exterior. Sentimentos contraditórios afloram mais uma vez. Tudo lhe parece novo, inusitado. De uma forma que ainda não entende direito, convidativo. Quanto mais vê, mais quer.

Surpresa, receio, alegria, medo. Não dá definição do que sentir. É tudo muito novo, muito rápido e surpreendente. Desce e muito instantaneamente. Como o mais endiabrado dos elevadores. Com a mesma velocidade com que desceu das alturas, se detém.

À frente, o espelho. Intocável, não há uma única ondulação, por menor que seja. De azul majestosamente profundo, é o mar. Estende-se até o horizonte, por todos os lados. Não há mais nada. Só a imensidão e a calmaria do mar.

Sente o cheiro característico, os pés quase tocam o espelho. Pensa no crime que seria fazê-lo. O ar fresco mais uma vez. O sol brilha no espelho d’água.

Está profundamente tomada de contentamento, chora. Há merecimento? Então não há? Ora, mas não está ali vendo, conhecendo e vivenciando tudo aquilo?

Terminam os 45 minutos. Retorna ao corpo físico. A vontade é de contar tudo. Mais que isso, a vontade é de voltar. Ver tudo de novo. O bosque, a montanha, a floresta, o ar e o espelho do mar.

No início da atividade estava preocupada com questões pessoais. Não possuía sua própria casa. Não dispunha de um veículo,  como alguns integrantes do grupo,  somente umas poucas coisas. Sua orientadora espiritual percebeu. Lhe deu um abraço e disse:

_ Tem mesmo certeza de que precisa ser dona de uma casa ou de um carro?

Geise lembra de antiga passagem e assume um ar de simpatia . Então, era isso. Grandioso, por pouco que fosse e ainda belo, mesmo que a compreensão mais completa ainda fosse chegar. Afinal, era só mais um exercício.

“O que vem da carne é carne, o que vem do espírito é espírito.”

“Se não compreendes as coisas da terra, como posso lhe falar das coisas do céu?”

 

                                            FIM

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