Por: Antonio Mata.
Não foi capaz de perceber o que se passava. Dos pequenos conflitos à perturbação, às sombras da negação, tão comum e simples quanto irracional.
Achava por bem conduzir a própria história, segundo as próprias ideias. Por princípio, não é proibido e o mal, vai depender da capacidade de o discernir.
Da feita que, às vezes, o nascimento e o acúmulo de conflitos, a pessoa não enxerga. A exemplo de um suicida, que deixa rastro e até bilhete, tem história e trajetória.
Falta um referencial que lhe oriente. O conhecimento da ciência do espírito é patrimônio inextinguível, o evangelho também. Foi feito não para os sãos, mas para esclarecer, aliviar e curar os doentes. Deveria estar nas melhores universidades e vale para toda a eternidade. Está nos mundos, não é só da Terra.
Ela, pouco afeta a tais conversas, levava adiante a própria existência, à mercê do cipoal psíquico de quem trabalha com o público, até se deixar envolver.
Não é o ofício, aquilo que se faz, é, sim, a atitude de cada um. Os sucessivos embates diários entre seres distintos, de preocupações distintas e universos íntimos tão perturbados quanto o seu próprio. Quando não, maior.
O atrito, quase um hábito, a desconfiança mútua, o desdém, a construção doentia do desprezo até a fixação íntima da armadilha do preconceito. De cor, de renda, de corpo, do que se pensa que sabe. Até do que nunca se soube.
Aos 36 anos já estava naqueles grupos das que se sentiam deixadas para tia. A benção de dois filhos sadios que, às vezes, sentia como âncoras a lhe deter o próprio movimento e a vida. Por isso, sem entender, lamentava. Deus lhe havia esquecido.
De possibilidades que se fechavam cada vez mais. Poucas e em horizontes curtos. Assim acreditava. Era só mais um campo minado para outra armadilha.
Os estudos e diplomas foram importantes. Mas, não lhe traziam a tranquilidade que um dia buscou. O colapso nervoso se avizinhava, como mera consequência. Sentia-se a bola da vez, da maré que só veio para lhe afogar.
Estava exausta, cai noite e a madrugada chega.
— Olhe para o céu. — Dormitava.
— Olhe para o céu. — Passou a amanhecer sob essa lembrança. Suave e discretamente presente. “Olhe, olhe para o céu. Você não está sozinha”.
Parentes, amigos, gente de outros tempos que o mundo das energias densas termina por apagar. Não existem mais, se diria.
Misturados entre tantos outros fantasmas, mais presentes por sua simples afinidade e decisão pessoal, disputavam espaço em sua mente já confusa. Só queriam a manipulação.
Naquele cenário de perturbação, espíritos amigos buscavam um elo, uma ligação para poder se aproximar. Uma lembrança bonita, uma pessoa querida. Sem sucesso, suas palavras esvaneciam após os primeiros minutos do dia.
Estes socorristas, juntos a antigos familiares, buscavam oferecer auxílio, antes que ela surtasse. Os inimigos são íntimos, são principalmente seus. A descrença, a falta de fé, a preguiça de querer saber, de buscar ajuda.
O desinteresse por algo fora daquele grupo de espíritos que a rodeavam e faziam a sustentação de vícios, físicos e mentais. Contudo, os socorristas decidiram insistir, vão aproximá-la de quem possa lhe ajudar e buscar um isolamento, ainda que momentâneo, temporário.
Pois não há como estender o apoio. Não sem compreensão e consentimento dela mesma. O tempo agora é curto, as oportunidades são poucas. A multidão enorme. Tudo caminha para o final. Terá de decidir e logo. A mesmice de seus confusos e tristes dias ou aquela voz doce e singular que insistia em se fazer presente.
— Eu sou a luz do mundo. Quem me segue nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida.