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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Mérito

Por: Antonio Mata.

Tinha milho suficiente para vários animais que mastigavam sem pressa. Já era final de tarde, quando todos logo irão se recolher. Mas Manuela, pelas suas próprias razões, achou de dar milho aos bichos de novo. 

Ali perto tinha bolo terminando de assar, pães e doces eram colocados sobre a mesa. A despeito da presença da bicharada, antes de escurecer acabariam se retirando. Parecia que cada um sabia, de antemão, qual era o seu lugar. 

— Não demora as crianças vão chegar da igreja. Aqui já vai estar tudo pronto. Os bichos também já terão se afastado. Pega as canecas, as crianças não demoram.

Achou aquela fala, além de fora de tempo, sem nenhum sentido.

— O que foi que disse? Mãe, o que foi que a senhora disse?

— Ora, é para a Manuela trazer as canecas. Atrasa tudo toda vez.

— Manuela, canecas, atrasa toda vez, de onde mãe?

— Não tá vendo não? É a mesa do lanche para as crianças. 

— Mãe, pare com isso, aqui não tem ninguém. Aqui é o seu quarto e esta é a sua cama, esqueceu?

— Os dois cavalos já estão se afastando. Os bois já foram para debaixo da árvore. Daqui a mais um pouco vai escurecer e já vão dormir. 

— Mãe quer parar de falar sozinha? Não tem boi, nem cavalo, nem bicho nenhum aqui. Já é madrugada, vai dormir mãe. Também já tô cansado desse falatório toda noite. Será que dá pra gente dormir em paz?

Dona Carminha, reunindo os fragmentos do que se passava, a seu modo, entrecruzou planos distintos de realidade. De modo comum, normal e usual. Então, vivia nos dois. Uma questão de mérito. Em um deles havia um corpo físico envelhecido que definhava naturalmente. No outro havia os amigos, os parentes, os animais de criação e as plantações de milho, de feijão e as frutas. As coisas que sempre gostou.

— Dormir em paz? Claro que sim. É só servir as crianças. Depois vão contar suas histórias e então vão dormir. Assim, todos vão dormir em paz.

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