Foto: Wikimedia Commons
Por: Antonio Mata
Ninguém sabia, ninguém viu, nem contou coisa alguma. Violência, superstição, ignorância, a fome, a mais negra miséria se acercavam da Europa, a ponto de pensarem que o inferno havia sido trazido para a terra. Era início do século XI.
O tempo das barbaridades, que acabou dando nome àquelas hordas intermináveis de invasļores, os bárbaros. No final para ela foi melhor assim. Distante, desconhecida, ainda pequena e frágil.
Só um pé de pau na beira d’água. Se fosse por aqui, acabaria se perdendo no meio do turbilhão dos desejos humanos. Assim pôde desfrutar do sossego do lugar e crescer em paz. Contava então três anos. Corria o ano de 1006.
Audagoste, a cidade, crescia no Sahel, onde hoje chamam de Mauritânia. Sempre dependendo de poços para obter água. Ainda assim tornou-se uma cidade de caravaneiros.
Isso foi muito antes que a pequenina pudesse criar raízes, e, é claro desde que houvesse muita água. Certamente, jamais seria em Audagoste. Fosse como fosse, Audagoste não suportou por muito tempo a marcha dos homens.
Acabou esquecida e foi aos poucos tragada pelo grande deserto. Até hoje os homens têm dúvidas quanto a sua localização correta. Corria o século XII.
Junto a ela na beira do rio, tinha ainda os homens do lugar, da grande floresta, que cortavam uma peça e outra e tocavam fogo no meio do tronco, até poder escavá-lo e fazer canoas enormes. Por mais que cortassem árvores, ninguém ligava muito.
Era um oceano verde. Nem que cortassem por toda a vida. Pelo menos era assim que se entendia. O tempo trataria de trazer mudanças. Não se sabia de nada com certeza, pois as novidades, aqui custavam a chegar. O tempo, escoando tal e qual um rio que nunca deixa de correr.
Houve coisa pensada com o mesmo propósito, navegar. Só que maior, mais complexo e de mais proveito, mesmo que a beleza, resistência e aplicação tenha comprometido sua vida. O carvalho-português, este podia crescer livremente. Contudo, somente até o século XV, quando então, de repente perdeu o sossego e teve de ingressar na tal das Grandes Navegações.
Começaram a cortá-los em grandes quantidades, transformando-os em tábuas, todas medidas e algumas tratadas em fogo. Se estes barcos, aqueles feitos de carvalho, estiveram por aqui, não há como saber, já que até aquela data, ninguém tinha visto.
Aqui não há do que reclamar. Já o carvalho só podia viver 300 anos, talvez fossem estes os mais solicitados. Nunca percorreria dez séculos, mesmo que os machados permitissem. Além disso, havia muito frio, neve, e pouca água.´
Até que certo dia, homens de pele branca apareceram descendo o grande rio e prosseguindo até a foz, na ilha de Marajó. Corria o ano de 1542. Um certo Orellana passava por ali. De todo modo, foi só isso, só fez passar. Há de se duvidar que tenha prestado atenção em outra coisa. Não em macacarecuia, ainda mais se estivesse quase toda dentro d’água. Já contava então, 539 anos.
Os barcos de carvalho-português só começaram a aparecer depois de 1616, quando se estabeleceram no Forte do Presépio, é assim que naquele tempo chamavam. Faziam incursões subindo o rio, de tempos em tempos. Em 1669, outro forte, o de São José da Barra do Rio Negro, traria aquela gente rio adentro, de vez.
Acostumou-se em vê-los passar e com sua presença. Contava 666 anos e não lhes ocorreu transformá-la em tábuas. As coisas simplesmente aconteciam, e depois passavam.
A novidade é algo que demora a chegar. Assim, não havia razão para criar expectativas. Ela quando quisesse, chegaria. Isto se nos idos de 1853. Um barco diferente dos outros passou a cortar o grande rio.
Não precisava de remos, e não se importava com os ventos. Apenas queimava lenha e fazia vapor. Isto seria o suficiente para transformar uma senhora de 850 anos em lenha para queimar na fornalha da história? Permanecer dentro d’água, fazer lenho molhado. Quem sabe não a esquecem de vez?
O tempo que passa e que a tudo assiste. Chegara a vez das seringueiras serem sangradas para retirar o látex, em 1880. Foi por pouco tempo, por volta de 1910, começou a parar. Macacarecuia não tem látex, assim ninguém lembrou de mexer com elas. Não aos 907 anos.
Lembra do Forte do Presépio, e do Forte de São José da Barra? Viraram grandes cidades, e que agora têm necessidades próprias e que só pensam em crescer cada vez mais. Ai de quem estiver por perto, ai de quem estiver no caminho. Absorviam tudo, indo buscar longe o que precisassem. Um assombro rondou as matas, dentro e fora d’água.
Em 1967 começaram a ver aplicabilidade em tudo, queriam usar tudo. Para carvão, pranchões, construção civil, movelaria. Até a serragem da madeira havia quem quisesse utilizar. Queriam até a terra, principalmente a terra. Do valor, ao valor nenhum. Os incêndios se multiplicaram. A velha senhora já contava 964 anos.
Logo cortaram o mogno; o angelim; o camaru; a garapeira e tantos outros. Recolheu-se à sua espera. Recolheu-se ao tempo que passa e que a tudo assiste. Vivera muito, acompanhara tudo em silêncio. Apenas aguardava junto às águas.
Árvore com mais de 35 metros, tronco grosso, cauliflora. Folhas simples e alternas. Flores aromáticas com seis pétalas longas. Madeira leve, textura média, fácil de trabalhar. Utilizada na construção de interiores e caixotaria, brinquedos, embalagens leves, folhas faqueadas para compensados, moldes para fundição e raquetes.
Foi medida e classificada. Perfuraram seu lenho para obter a idade, o que não importou muito. Assim veio a aplicabilidade, e com ela a derrubada. Em 2015 a velha macacarecuia veio ao chão. Contava 1012 anos de Amazônia.