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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Manhã na praia

                                                                            

                                                                                                                                                

Por: Antonio Mata

Desceu a Presidente Backer até o cruzamento com a Francisco Torres. Aguardou por alguns instantes pelo semáforo favorável e cruzou junto aos demais rumo ao calçadão. Dobrou à esquerda, na direção de São Francisco. Caminhou por alguns minutos e desceu até o areal, se dirigindo ao encontro daqueles que caminhavam, brincavam e se exercitavam junto ao mar. Ficou satisfeito ao encontrá-los, ele que também apreciava a movimentação e as pessoas se exercitando à beira-mar nas primeiras horas do dia.

O sol estava moderado e o mar calmo, até porque estavam dentro da baía. Havia aqueles que se reuniam para o futevôlei. Rede montada, fita esticada e espaço demarcado. Agora é aguardar que os presentes prestassem atenção e o deixassem se reunir ao grupo. Aguardou um pouco, ficou observando, e uma garota de cabelos descoloridos olhou na sua direção, meio que de relance. Virou-se, tornou a olhar de cima para baixo com mais calma. Então deu-lhe as costas e não ligou mais, não era ninguém.

Ainda que meio decepcionado, mas não abatido, se afastou sabendo que outras tantas iriam chegar naquela manhã e que aquilo que acontecera não era motivo para estragar o dia. Afinal, quem procura acha. Quem espera sempre alcança; é tudo só uma questão de tempo e de procura; continuar na busca.

Que não fosse por isso. Dia convidativo para os adeptos da canoagem que já preparavam seus barcos para o treino do início da manhã. Tinha gosto em ver a preparação das canoas, mas não se achava em condições para participar. A ideia de se afastar da praia, por pouca que fosse a distância, por alguma razão, não o atraía de jeito algum. Seria trauma, ansiedade, ou medo simplesmente? O fato é que não se convencia a tirar o pé do areal.

Havia ainda as pessoas conversando junto das barracas e de repente poderia se aproximar e fazer contato. Tanta coisa acontece na praia. Se conhece tanta gente. Sabe lá, quando menos se espera, alguém não fica interessado? Não seria nenhuma novidade se saísse de lá muito satisfeito, em boa companhia. Ainda dava tempo.

Esperou, andou por perto, insinuou-se. Até que uma morena solitária com rabo de cavalo prestou atenção. Olhou para ela, fixou a atenção, e com aquele jeitão de quem não está fazendo nada, foi se aproximando devagar, a cabeça baixa, como que brincando de chutar areia. Fazendo uma pequena curva para não ser incisivo demais. É agora, tudo pronto, preces ouvidas, a vida é bela, já estava quase lá.

De repente, vindo do mar, um sujeito todo molhado, com um bermudão colorido, dublê de Frankenstein, recém-saído do laboratório, ajoelhou-se do lado dela e o encarou com aqueles olhos vermelhos, versão matutina do tinhoso. Prosseguiu na curva, fechou mais ainda, em direção ao mar só para tirar a areia e prosseguir sem fazer alarde. Que azar do cão.

Começou a se incomodar com o sol. Sinal de que estava ficando tarde, e ainda estava sozinho. Resolveu prosseguir mais um pouco. Avistou um pequeno grupo na caminhada. Quis se juntar a eles e ver se conseguia alguma coisa. Já estava cansado de sair da praia sempre sozinho. Prosseguiu por poucos minutos, mas o suficiente para entender que estavam por demais focados no que faziam, todos eles, para prestarem atenção em qualquer outra coisa que não fosse aquele propósito ali.

Agora era preciso buscar a sombra das ruas. O tempo se foi, o sol queimava, as pessoas passando e não conseguiu nada. De volta ao calçadão retornou, e começou a atravessar na direção da Belisário Augusto. Virou a cabeça e viu a garota de cabelos descoloridos e, acredite se quiser, olhava para ele mais uma vez. Deteve a passada e quis voltar. Olhou na direção da pista a tempo de divisar o veículo que já o alcançava.

Tentou saltar de volta na direção do meio fio, mas a única perna dianteira não teve força suficiente para girar o corpo com a presteza necessária. Foi abalroado violentamente e projetado a vários metros de distância. Soltando um último ganido bateu com força no chão. A cabeça estendida na direção do calçadão.

Pôde ver a garota de cabelos descoloridos correndo na sua direção, em um ato repentino. Atônita, se abaixou e segurou sua cabeça com carinho, enquanto fitava seus olhos. Era só isso que queria, era só isso que tinha ido buscar. A imagem da garota de cabelos descoloridos sumia de seus olhos enquanto o sangue lhe escorria pela boca. Mas; ela veio, agora já não precisava mais estar sozinho.

Posto ao lado do homem para ajudá-lo na sua escalada evolutiva, o cão é um indutor de bons sentimentos. Seu jeito alegre e espontâneo; a predisposição para estar sempre junto de um ser que lhe é bem diferente. Obediente e amigo, não mede esforços para atendê-lo. Basta observar um cachorro ferido ou enfermo no seu sacrifício para ficar de pé, ante a presença daqueles que lhes são queridos.

Em que pese os conflitos dos próprios homens, que fomentam nestes animais sentimentos de violência; esta não é a sua essência. Perturbado por algum tempo por tais práticas, tão logo retorne ao plano dos espíritos, gradativamente retomará a sua condição natural. Quando então poderá retornar à matéria e prosseguir na marcha evolutiva, sua e dos homens, por mais distantes que suas mentes estejam.                                                                             

                                                                                                                                        

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