Imagem: PxHere
Por: Antonio Mata
Extensa enfermaria abrigava pacientes diversos, na sua ala masculina. A maioria parecendo dormir. Se havia algum leito desocupado, este não estava visível.
Novo no setor, colocou-se a contar o número de leitos da primeira fileira, aquela mais próxima às grandes janelas, de onde se podia avistar o grande jardim. Este por vez, ou melhor, a sua imagem, era repassada para telas centrais e contínuas.
Dessa forma, era possível oferecer a visão do jardim, mesmo que os leitos estivessem afastados daquelas janelas, com absoluta perfeição. Quem não conhecesse o dispositivo, não saberia tratar-se de uma tela.
Contou até 32 leitos, quando um dos membros da equipe lhe fazia sinais apontando para a sua direita. Sabia que a enfermaria estava disposta em 25 colunas, mas teve de deixar isso, a tal da contagem, para depois.
Aos 32 leitos, notou que não havia chegado nem a metade. Foi tratar de atender ao paciente. Olhava para o homem sobre o leito, que lentamente recobrava os sentidos. Enquanto se recobrava, levantou os braços em um gesto de aflição.
Parecia querer se agarrar em alguma coisa, fazendo gestos como quem procurava subir. No seu desespero olhava para cima, pressionando os lábios, mantendo os olhos arregalados.
— Tenha calma amigo, procure se acalmar. Você está em boas mãos. O que está acontecendo? Por que tanta agitação?
O homem prosseguia pressionando os lábios e muito agitado. Contudo, ao oferecimento de passes de efeito calmante, Miguel pôde aliviar sua perturbação. Inicialmente balbuciava palavras soltas, até se fazer entender.
— A rede, a rede. Fiquei preso na rede. Meu pé se prendeu e fui arrastado para dentro d’água. Me afogava, procurava sair. Vi os demais tentando me puxar de volta, mas a rede é muito pesada. Demorou muito, fui afundando. Não conseguia subir.
Então, este foi o seu momento de transferência para o outro lado. Os mais de duzentos metros de rede, já lançados, provocavam muito arrasto. Mesmo com seus companheiros procurando puxar a rede de volta, acionando o guincho. O que efetivamente fizeram, só que tardiamente.
— Estava cansado, havíamos lançado a rede várias vezes. Estava muito quente. Uma insolação muito forte. Mesmo com o guincho puxando a rede, é preciso manejar a bolsa de peixes, abrir e separar os peixes que não servem. Quanto mais peixe misturado, mais serviço. O cansaço chega, a coluna dói. — Continuou.
— Procurava respirar e os peixes entravam na minha boca, tapavam minha boca. Quando conseguia respirar, sentia um cheiro forte de peixe. Uma agonia, precisava sair e dali voltar para o barco. Estava me afastando.
— Já entendi, tenha calma. De qualquer modo, veja que tudo já passou. Você foi retirado do mar e quando o barco atracou, foi trazido até nós. Devo dizer que passou vários dias adormecido. O seu acidente já está com mais de uma semana. Você esteve dormindo por esses dias. Apenas não lembra da história toda. De qualquer modo, já passou.
Apenas buscava tranquilizá-lo. Jairo já aprendera como é importante tirar o paciente de seu último registro mental. Aquele que marca sua passagem para fora do corpo físico. Na realidade, o afogamento se dera a pelo menos cinco anos. Foi o tempo em que passou retido, revivendo o episódio do afogamento, até poder receber auxílio.
Assim, de caso em caso, a grande enfermaria foi se completando em todos os seus leitos. Em breve, Miguel poderia sair dali e prosseguir sua recuperação em outras acomodações mais adequadas. Seu caso era considerado leve. Quanto ao atendente, apenas prosseguiria com o seu plantão.