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histórias, crônicas e contos

No meio do caminho

                                                              

                                                                                                                          Foto: Antranias por Pixabay

Por: Antonio Mata

 

Prestando atenção no que pudesse ocorrer adiante, afastavam-se de costas, caminhando lentamente. Afastar-se dali com cautela, mas também com urgência. Às vezes dá certo, às vezes dá errado. Assim ocorreu no meio do caminho.

A vila mais próxima estava a uns 45 Km, quando deixaram a estrada adentrando o ramal de terra batida. Mais 14 Km além, era hora de deixar o veículo e recolher o material na mochila. Teriam de prosseguir a pé.

Faziam a verificação periódica de equipamentos eletrônicos de coleta de diversos tipos de dados e imagens, além da limpeza, troca de baterias, aferição e troca do equipamento danificado ou com defeito, se fosse o caso.

O trajeto já era bem conhecido, por conta do projeto de longa duração no tratamento dos dados colhidos. Não deixava de ser trabalho rotineiro, com o qual já estavam acostumados.

No meio do caminho tinha uma pedra,

tinha uma pedra no meio do caminho.

As pedras fazem parte. São tão presentes quanto a própria atividade, e simplesmente surgem no caminho. Dessa vez, a pedra foi diferente, deixando os dois em uma situação incomum.

Começaram cedo, de tal forma a concluir todo o trajeto logo. Já estavam na mata há pouco mais de uma hora, quando um ruído distante chamou a atenção.

— Fique quieto e preste atenção neste som. Esse é novo, é diferente.

— Ainda não escutei nada. — Dizia o franzino Amílcar, levantando a cabeça e buscando ouvir alguma coisa. Enquanto Luiz insistia.

— Preste atenção. É um som contínuo, às vezes grave.

— Seja o que for está longe. Não ouvi nada até agora.

Vendo que Luiz parecia estar preocupado, contudo achando que não havia necessidade, Amílcar fazia algumas considerações.

— Você já notou uma coisa parceiro? Estamos aqui cobrindo o trajeto, desde o ano passado. E sabe de uma coisa? Nunca vi um único veado campeiro por aqui. Se tivéssemos avistado veados, aí seria o caso de se preocupar. Nenhuma fotografia, nenhum vídeo, nem do veado nem do seu principal perseguidor.

— Disso eu já sei desde o início. Não se tem nenhum registro de onça por aqui. Não nos equipamentos. Não é isso que você está querendo dizer? Retrucava Luiz.

— Não é só isso não. Na vila também, nem os moradores falam de onças circulando por essas bandas. As que existiam por aqui devem ter sido mortas, e há muito tempo.

Prosseguiram avançando sempre, rumo ao próximo sítio de equipamentos. O som, até então inaudível, pelo menos para Amílcar, mudou de volume e então se fazia pronunciado, o suficiente para se entender que se tratava de um grande felino.

— Está ouvindo agora? Entendeu o que isto significa? — Luiz teve de se render ao bom senso.

— É isso mesmo, ela está vindo para cá. Está caminhando na nossa direção. E agora, o que fazemos?

Não havia mais nenhuma sombra de dúvidas.

No meio do caminho tinha uma onça,

Tinha uma onça no meio do caminho.

E provavelmente das grandes.

A cada minuto que passava o som se fazia mais audível. Luiz se esforçava por interpretar aquele esturro diferente. Não era o que já estava acostumado a ouvir. De repente o animal pareceu deter o movimento, porém, continuava rugindo. Passaram a sussurrar.

— Luiz está sentindo esse cheiro? Conhece esse cheiro?

Olhou para o amigo e Amílcar estava branco feito cera.

— Conheço sim, é o cheiro do caçador. Cheiro de sangue velho. Ela não está longe. Acho que por estarmos contra o vento, ela ainda não percebeu a nossa presença.

— Luiz será que ela sente cheiro de perfume?

— Aquela colônia vagabunda que eu falei para você não usar quando viesse aqui? Sente sim, não toque em nada, nada mesmo. Ela pode tornar a se aproximar.

— Tem uma coisa que ainda não entendi. Esse rugido estranho. Se afaste de costas Amílcar. Continue se afastando.

Se afastavam do local, retornando em seus passos. Aquela história da colônia ordinária não saía da cabeça de Luíz. Se Amílcar em outra ocasião usou aquela porcaria percorrendo a trilha na mata, logo o bicho iria descobrir.

Somente o primeiro sítio havia sido verificado. Estavam voltando na direção dele. Se tivessem chegado no segundo, fatalmente o animal teria certeza de suas presenças. Foi quando Luiz teve um calafrio, ao constatar algo.

Recuavam de costas para prestar atenção ante a possibilidade de aproximação do animal. Já aquele som diferente e sempre na direção dos dois, só tinha uma explicação. Ela estava procurando o seu filhote. Este por vez, deveria estar atrás deles. Estavam entre a mãe e o filhote.

Agora Luiz sabia que o que se podia fazer, era manter a calma e continuar recuando. Se a onça mãe entendesse que seu filhote pudesse estar em perigo, iria correr na direção do rebento e daria de cara com os dois.

Não apenas um, mas dois monstros caçadores, comedores de filhotes de onça. Mataria os dois só para eliminar o perigo. Na cabeça de Luiz, que já não dava mais um pio, aquele bafo de onça tornou-se algo medonho.

Amílcar sentiu a mudança de humor e só por garantia, se afastava estando por trás do Luiz. Antes que tudo desse errado, ainda poderia tentar correr dali. Nem que fosse só por pura estupidez.

Prosseguiram se afastando, suando frio, ouvindo o esturro do animal e sentindo seu bafo ameaçador. A preocupação com a colônia de Amílcar se perdeu. Até por que, o homem se urinou todo. A esperança passou a ser por uma onça burra, sem olfato e cega. Só assim sairiam daquela armadilha.

Em dado momento o rugido pareceu cessar. Continuaram se afastando de costas. Em seguida a fera retomou os rugidos, contudo, um pouco mais à direita.

Aguardaram alguns instantes, e novo esturro. Agora mais à direita. Era a confirmação que Luiz tanto esperava. O animal estava se afastando. Tomaram o rumo da estrada e trataram de se afastar dali, agora rápido e breve. Deve ter entendido que seu filhote estava para o outro lado.

Entraram na pick-up, recolheram o material, fecharam tudo e foram embora dali, recobrando-se do susto aos poucos. Já recobrados, com o veículo na estrada, foi quando Luiz pôde sentir o cheiro dentro do carro. Abriu tudo de novo e trataram de ir embora assim mesmo.

Amílcar ficava repetindo:

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma onça

Tinha uma onça no meio do caminho.

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