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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Nunca chega

Por: Antonio Mata

O som cadenciado, repetitivo, fosse no sol, de tantos dias. Mais comum no romper da madrugada. Deixando o paraná no rumo das quatro horas lentas, porque é para descer.

escorrega adiante. A meia dúzia de braços servem principalmente para voltar de novo. Dia de vender a pequena produção rural. Alguma farinha, tucumã e pupunha, tirado do roçado e das matas ao redor.

— Eita riozão que não se acaba, da canoa que nunca chega!

— Sossega Tião, ainda tem muita água pela frente, para ter que ficar te ouvindo.

— Quem canta os males espanta. Quem não cantar ainda pode falar. É por isso que eu digo:

— Eita barreiro amarelo que não se vê o fundo! Qualquer dia desses vamos remar em cima da lama!

— Aí vai só você Tião. Só quatro horas agarrado em cima da lama. Fazendo de conta que tá remando. — Edmundo entrou na brincadeira do irmão.

— Agora são dois só pra falar besteira. Essa besteirada espanta até macaco. — Apareceu até mais um, o Raimundo.

— Espanta não, mano véio, espanta não. Olha ali os bichinho. — Apontava com o bico para um grupo de macacos brincando próximo à saída do paraná.

— E aí meu filho, acordou cedo também, foi?

O macaco que comia pacovã, respondeu atirando as cascas sobre Tião.

— Deixe de leseira macaco! Tá com sorte porque não tenho pedra aqui!

O macaco levantou o pinto e mijou para o alto na direção de Tião.

— Filho d’uma égua. Vou te mostrar! Cadê a espingarda do vô Leôncio?

— Deixa de ser besta homem. A espingarda do vô Leôncio tá com vô Leôncio. Na canoa só veio você, estrupício.

— Pois fica aí, seu macaco nojento. Espera aí mesmo. Quando voltar vou te encher de flecha!

— Esquece isso Tião. Aqui não tem nada disso, aproveita e fica quieto.

Desaforado e aborrecido, Tião prosseguiu espalhando seus impropérios, a despeito da reclamação dos irmãos. Prosseguiram até enxergar o porto de lenha ao longe. O sol já corria alto.

Nesse ínterim e sem avisar, o céu escureceu pesadamente.

— Aperta mano véio, aperta que lá vem muita água. Falta pouco.

Escorregar, remando calmamente, já não servia mais. Os três irmãos se puseram a remar como nunca. A canoa, muito cheia, ficava vulnerável debaixo do aguaceiro.

A menos de cinquenta metros da beira do rio, a tempestade desabou. Remavam com força, enquanto com uma cuia, tiravam a água de dentro da canoa.

Muito esforço, porém, não foi suficiente. Até que a canoa encheu totalmente e se pôs a afundar.

— A canoa que nunca chega mano véio, agora vai ter que chegar na marra!

— Não adianta Tião. Essa já não chega mais.

— Chega sim, chega sim! — Gritava para os irmãos, enquanto tirava a água da chuva freneticamente com a cuia.

Todos exaustos, ainda faltavam uns poucos metros. Tião desceu tocando os pés, mas, com água até o pescoço. Reunindo suas forças, empurrou a canoa até a beirada do rio, com os dois irmãos segurando a mesma.

No aguaceiro, Tião foi levado rio adentro, desaparecendo entre a chuva e a água amarela que não se vê o fundo. Finalmente sumiu. Quando a tempestade passou, junto a outros homens procuraram encontrar seu corpo rio abaixo, sem sucesso.

Dizem ainda hoje, lá pelas bandas do beiradão, que nas noites sem lua ainda se pode ouvir a voz do Tião em seu brado caboco.

— Eita riozão que não se acaba, da canoa que nunca chega!

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