Por: Antonio Mata
Desceu do Camões na altura da Barata Ribeiro, 200. Só não estava mais solitário e perdido porque que era um só. Procurava se situar nas palavras finais que o motorista o havia passado. O lugar cheio de prédios, o movimento, o barulho, tudo por demais diferente.
Não custou para entender que havia descido bem antes. A rua 5 de Julho ficava várias quadras à frente, pegando à direita na rua Santa Clara. Tinha jeito não, era andar pra caramba.
Cumpriu o clichê usual, um monte de gente fazia isso. Alterou a idade de dezesseis para dezoito anos para poder viajar. Toda vez colava, e para dizer a verdade, já se sabia de antemão. E ninguém ligava muito, não em 1957.
Não bastasse as dificuldades naturais de quem se encontra em um lugar que não conhece direito, ainda arranjou outra. Antes de pegar o Camões, aquele ônibus com uma frente esquisita, uma banda é de um jeito, a outra banda é de outro, precisava ainda pegar o bonde até o centro do Rio.
Quando chegou no ponto, o bonde já estava lotado. Explicação: lotado significa que tem pelo menos meia dúzia de astronautas, na frente do motorneiro, agarrados no bonde pelo lado de fora.
É que nas laterais e nos fundos do bonde, já estava pior que banana no cacho. Pronto, agora todo mundo já sabe por que que o bonde precisava de trilhos.
O garoto olhou aquela turba, sem saber o que fazer, quando uma voz lhe disse:
— Se agarra pelaí.
Se estava certo ou errado, agora não interessava mais. O garoto tinha que correr, achar um pedaço de ferro, e se agarrar naquele bonde, que já estava andando. Foi o que fez.
Foi só por um segundo, ou um e meio talvez. Esqueceu que estava carregando uma marmita em uma das mãos. Na refrega para se agarrar naquele troço, a marmita, que era daquelas de encaixe, caiu.
Era o povo gritando, era o bonde se afastando, e a marmita rolando, espalhando arroz, feijão e farinha pelo canto do calçamento de paralelepípedos. Olhava desesperado, vendo o almoço se espalhar pelo chão.
A cara ridícula, o sentimento de humilhação, justificavam seu silêncio compenetrado e abatido ao mesmo tempo. Não daria outra, naquele dia ficou sem almoço na obra. Servente de pedreiro era o emprego para o qual melhor se qualificava, e a construção ficava em Copacabana.
Contava essa história em tom de brincadeira. Contou umas duas ou três vezes. O Camões, o bonde, a marmita, coisas que eu só veria muitos anos depois por conta da Internet.
Toda vez eu ria muito, e a ideia dele era essa. Valeu pela conversa, pela lembrança, e pela brincadeira. Todo o resto, o sentimento do ridículo e da humilhação, estes eu só iria compreender muito depois.