Por: Antonio Mata
Estava querendo arranjar confusão. Se meter em encrenca. O que não fazia nenhum sentido, de modo algum. Afinal, em meio a tantas coisas, tantas possibilidades de vida. Em meio a tanto espaço, somente sendo muito sem noção para pensar nisso.
Tudo é grande. São diversos biomas, ecologias distintas, tem até aquelas florestas que passam boa parte do tempo inundadas. Ostentam assim sua própria vegetação.
Lá pelas bordas, ladeando tanta água, aparece o molongozal. Um tipo de mata que adora água. Mas que também oferece, a partir do molongó, uma madeira macia e leve. Boa de se trabalhar e útil nas mãos do artesão hábil.
Quando as águas baixam, abatem uma ou duas toras. Muito prático de se derrubar e transportar. O suficiente para a demanda de serviços que se pretende fazer. São utensílios, adornos e brinquedos. Tudo feito com ferramentas básicas e colorido com pigmentos locais.
Nem só o ribeirinho artesão tem interesse naquele pau. Principalmente, se já se deram ao trabalho de retirá-lo do encharcamento e colocá-lo direto no chão ao calor do sol.
Tudo tem seu tempo. Nada pode ser esquecido ou abandonado.
Um grande pedaço de pau foi deixado sem uso e por muito tempo. Há quem goste e apenas fica esperando que a realidade das coisas o chame para fazer a sua parte.
Fura e come, fura e come. Em certo momento, ficou estupefato. Aquilo não deveria estar acontecendo daquela forma. A visão logo adiante denunciava a presença de intrusos.
Meteu a cabeça pela passagem. Olhou para a direita e para a esquerda. Não viu ninguém.
— Vão já dar o sumiço daqui! Esse pedaço de molongó é meu! Não quero ninguém circulando aqui dentro. Esse buraco, esse túnel, quem foi o invasor?
Embrenhou-se buraco adentro, lembrava mesmo um túnel. Até que encontrou a quem procurava. Meteu-lhe as mandíbulas acostumadas com madeira dura, sem pensar duas vezes.
— AAAiiii!! Quem é o doido? Socorro! Um bicho doido aqui!
Não demorou muito e dos túneis próximos logo surgiram outros escavadores e comedores de madeira. De preferência bem macia. Então ficou fácil de se entender o motivo da encrenca.
— Sumam daqui, desapareçam! Eu vi primeiro e serei o último a sair! E vou fazer isso sozinho!
A resposta não demorou.
— Olha aí o grandão, você é grande, mas é um só. Além disso, aqui tem polpa macia pra todo mundo. Você vai comer molongó até desmaiar.
— Até desmaiar coisa nenhuma. Molongó sequinho é ruim de achar. Eles usam tudo e só deixam pó e serragem. Esse daqui é meu! Sumam daqui, antes que eu resolva tirando um pedaço de cada um de vocês!
— Eu não acredito nisso. Vai querer o pedaço de pau só pra você? Térmites sempre trabalham juntas. Fazem colônias e compartilham tudo. Não está vendo?
— Não mude de assunto. Eu sou cupim e aqui quem come sou eu. Já colonizei, batizei, escavei e me apossei desse pedaço de molongó. Agora chega de conversa e sumam daqui!
— Gente, esse daqui é doido, vamos embora. Ele vai querer perfurar tudo sozinho, deixa ele.
— Onde vamos encontrar outra madeira macia e seca?
— Não sei, outro dia aparece de novo.
Desapontadas, as térmites, que também são cupins, deixaram o molongó e foram embora. Minutos depois chegaram dois homens.
— Vamos levar essa tora debaixo lá para o barracão. Ainda deve estar boa de se trabalhar.
— Xiii Mundinho. Olha desse lado aqui. Tá cheio de buraco de cupim. Isso ainda presta?
Mundinho sondou toda a peça de molongó e deu sua resposta.
— Presta não, mas traz pra cá que vai servir de lenha.
— E essa outra que estava em cima?
— Deixa aí um pouco. Vamos cuidar do fogo primeiro. Tem muita farinha para se torrar.
Enquanto os dois homens levavam a tora para alimentar o fogo, as térmites retornaram e trataram de escavar rapidamente a madeira mole, se escondendo dentro dos túneis. Com um pouco de sorte, ainda poderiam escapar, quando os homens voltassem. E ainda poder contar a história.